Por Sergio Queiroz e Lisandra Paraguassu
ATAFONA, Rio de Janeiro/BRASÍLIA (Reuters) – Já faz ao menos 50 anos que o mar começou a corroer a terra em Atafona, uma pequena comunidade ao norte do Rio de Janeiro, mas na última década as mudanças climáticas aceleraram a erosão costeira, transformando a cidade em um exemplo da destruição que o aquecimento global pode causar.
A comunidade de 6 mil pessoas que sobrevive da pesca e do turismo viu o oceano levar cerca de 500 casas em uma área de 2 quilômetros ao longos dos últimos anos, uma destruição causada por uma combinação de erosão e assoreamento dos rios, acelerada pelas mudanças climáticas.
O assoreamento do rio Paraíba do Sul, cuja foz fica na região, passou a impedir a chegada de areia à praia de Atafona, um distrito do município de São João da Barra (RJ). A faixa litorânea diminuiu e o mar passou a avançar sobre ruas, casas e negócios.
Sônia Ferreira, de 80 anos, construiu sua casa a duas quadras da praia quando decidiu mudar para Atafona em 1997. Em 2019, teve de abandoná-la quando o mar derrubou o muro e começou a avançar para as paredes.
“Eu fico muito triste de chegar até aqui, eu tenho evitado de vir. Porque as lembranças a gente tem, mas é de uma maneira triste”, diz Sônia ao visitar o local onde ficava sua casa, que foi destruída.
Atafona é talvez o exemplo mais conhecido no Brasil das consequências dos impactos ambientais, e que agora se agravam com as mudanças climáticas e eventos cada vez mais dramáticos.
Segundo o relatório da ONU “Mares revoltos em um mundo em aquecimento”, divulgado este mês, o nível regular do oceano subiu 13 centímetros na região nos últimos 30 anos e pode subir mais 16 centímetros até 2050. Isso, aliado ao assoreamento do rio Paraíba do Sul, resultou no desastre enfrentado hoje pela população local.
“O relatório da ONU que foi divulgado recentemente sobre as cidades litorâneas que estão sob impacto direto do avanço do mar projeta um cenário associado de erosão costeira e inundação marinha. Áreas, como em Atafona, que sofrem com um problema crônico e extremo da erosão costeira, têm uma projeção para que, em 28 anos, percam ainda cerca de 150 metros lineares de suas áreas litorâneas”, afirma Eduardo Bulhoes, geógrafo marinho da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Atafona pode ser o caso mais drástico do Brasil, mas não é o único. Com 8,5 mil quilômetros de costa, o país vem testemunhando esse e outros tipos de problemas causados pelo avanço do mar, desde o desaparecimento de pontos turísticos até a alteração do equilíbrio natural na foz do rio Amazonas.
Em Natal, a praia de Ponta Negra, um dos principais pontos turísticos do Nordeste brasileiro, também está desaparecendo. Nas últimas duas décadas, cerca de 30 metros de areia branca foram levados pelo mar com um impacto não apenas ambiental, mas também econômico.
Recheada de hoteis e restaurantes, a orla de Ponta Negra perdeu o calçadão e a praia só pode ser usada nas horas de maré baixa. Na maré alta, as ondas chegam até a avenida.
Thiago Mesquita, secretário de Meio Ambiente de Natal, explica que o impacto econômico é enorme: 88% dos leitos de hotel na cidade estão na orla, e 70% deles, em Ponta Negra.
“O turismo é nossa principal atividade econômica. Natal não tem indústrias. E quase todo ele passa por Ponta Negra”, diz.
Venerando Amaro, professor de engenharia ambiental da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que o problema ficou mais evidente a partir de 2012, quando uma ressaca do mar levou parte da avenida.
“Na época nós indicamos a engorda da praia (trazer areia de outro local para aumentar a orla), mas demorou até agora para se decidir, e hoje o quadro é muito mais erosivo”, explica.
A obra de engorda da praia finalmente deve ser finalizada em dezembro, no início da temporada de verão, com custo de cerca de 100 milhões de reais. Amaro, no entanto, acredita que, se nada mudar, entre cinco e sete anos terá de ser refeita, pelo menos em parte.
O aumento do nível do mar e a erosão costeira afetam também outros pontos no país, como Camboriú, em Santa Catarina, e Cananeia, em São Paulo, e chega até mesmo à foz do rio Amazonas.
No encontro do rio com o oceano, o Amazonas está perdendo força, principalmente após a forte seca que atingiu a região no ano passado e novamente em 2024.
“O que está acontecendo é que a água salgada está entrando mais no rio, e isso vai alterar toda a biodiversidade daquela zona”, explica o oceanógrafo Ronaldo Christofoletti, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
No ano passado, a água salgada subiu até perto de Macapá (AP), que fica a cerca de 150 km da foz do Amazonas. A salinidade excessiva matou os peixes de água doce e deixou em situação difícil as comunidades da região que vivem da pesca.
Dados do Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) mostram que o nível do mar está subindo mais rápido do que nunca. Nos últimos 10 anos, segundo o IPCC, mais que dobrou a velocidade em relação ao período entre 1993-2002, passando de 0,21 centímetros m por ano para 0,48 centímetros.
Christofoletti explica que, para cada 10 centímetros que o oceano sobe, isso representa cerca de um metro que a água se expande sobre a terra.
“Isto leva a uma perda de espaço no continente, nas praias, nos municípios, porque a água vai ocupar esse espaço. Quando vemos coisas como a destruição de casas em Atafona, é chocante. Mas não era para ter uma casa lá. Deveria ter uma mata, um mangue, uma restinga, que são os ecossistemas que naturalmente estariam preparados para segurar o mar”, disse Christofoletti.
Apesar dos problemas que o aumento do nível dos oceanos pode trazer para um país com 8,5 mil quilômetros de costa, e onde quase 60% da população vive no litoral, o Brasil está pouco preparado para enfrentar e mesmo conhecer o que de fato está acontecendo na sua costa, explica o oceanógrafo.
“A gente tem um panorama descrito, claro, avaliado, estudado? Não. E por quê? Porque Diferentemente de muitas outras regiões do mundo, a gente não tem um monitoramento costeiro claro no Brasil que permite entender exatamente o que é que tá ocorrendo. A gente tem muitas áreas que simplesmente não tem dados”, afirma.