Por Rodrigo Campos
(Reuters) – A América Latina está contando ansiosamente os dias para 5 de novembro, quando os eleitores dos Estados Unidos escolherão entre uma relativa continuidade sob o comando da vice-presidente Kamala Harris ou um retorno às políticas que provocaram volatilidade nos maiores mercados e economias da região sob o ex-presidente Donald Trump.
O comércio e as tarifas, além do efeito da política monetária sobre as taxas de juros globais, são provavelmente os maiores caminhos para que a eleição abale a região vizinha dos EUA. A guerra econômica de Washington com a China pode afetar particularmente o México e impulsionar o Brasil, especialmente em um cenário de retaliação.
Em um nível mais amplo, uma vitória de Trump provavelmente causaria choques por toda a região, possivelmente pressionando algumas moedas e bancos centrais, mesmo que os países mais ligados a commodities ou ao comércio com a China possam sair praticamente ilesos.
Embora o governo Biden não tenha revertido as tarifas impostas por Trump à China, o plano de Kamala de mantê-las praticamente como estão faz dela uma conciliadora em relação à segunda economia do mundo. Sob Trump, as tarifas sobre os produtos chineses saltariam para cerca de 60%.
A China também estará presente nas negociações para revisar o acordo comercial entre EUA, México e Canadá (USMCA), programadas para 2026, já que alguns produtos, inclusive das fábricas de empresas chinesas instaladas no México, poderiam deixar de ser tratados como mexicanos. É provável que as exigências de conteúdo do setor automotivo, conhecidas como “regras de origem”, tenham grande importância nessas negociações. Trump disse semanas atrás que aplicaria uma tarifa de até 200% sobre os veículos importados do México.
“Uma guerra comercial (com a China) provavelmente se intensificaria no caso de uma Presidência de Trump, e acho que o país mais afetado na América Latina poderia ser o México”, disse Carlos de Sousa, estrategista de mercados emergentes e gerente de portfólio de renda fixa da Vontobel.
“Se Trump vencer, ele provavelmente tentará aproveitar essa cláusula de vencimento (do USMCA) para ter uma posição de negociação mais forte, possivelmente para mudar as regras de origem.”
Ele acrescentou que o maior escrutínio sobre as regras comerciais relativas ao México poderia significar que “voltaremos, em termos de preços de ativos mexicanos, a um nível de volatilidade maior do que o que vimos nos últimos cinco ou seis anos”.
O banco de investimentos Lazard disse em uma nota recente a clientes que uma tarifa universal de 10%, como a proposta por Trump, poderia ser usada para evitar que os países contornem as tarifas ao estabelecerem parcerias com países que já têm acordos comerciais com os EUA. Outros exemplos de seu uso poderiam incluir políticas relacionadas à imigração, já que as remessas contribuem muito para várias economias regionais, especialmente na América Central.
Os países sul-americanos podem estar em uma posição melhor para se esquivar de um regime comercial mais rigoroso dos EUA. O banco de investimentos coloca o Chile, potência do cobre e do lítio, em uma lista de países com alta exposição ao mercado dos EUA que poderiam ser amplamente poupados com base na natureza menos substituível de suas exportações.
Esses cálculos se tornariam muito menos relevantes no caso de uma vitória de Kamala Harris.
“Se a candidata democrata, a vice-presidente Kamala Harris, vencer, provavelmente com um governo dividido, o risco tarifário provavelmente diminuiria e esperaríamos menores condições de crescimento e investimento nos Estados Unidos, o que poderia levar a um desempenho superior sustentado dos ativos de mercados emergentes”, disse o banco de investimentos em perspectiva de outubro para os mercados emergentes, publicada na semana passada.
Embora a economia industrial exportadora do México provavelmente sentiria o aperto em um segundo governo Trump, outros países que são principalmente exportadores de commodities poderiam até se beneficiar.
A América do Sul poderia se beneficiar de sua menor dependência de remessas dos EUA, que, em um cenário sob Trump, podem ser tributadas em 10% se o senador JD Vance, companheiro de chapa de Trump, levar adiante sua proposta de imposto.
Com o aumento das tensões comerciais com Pequim durante o governo Trump em 2018, a China substituiu todas as suas importações de soja dos EUA por soja brasileira. A China já é o maior parceiro comercial do Brasil, e a maior economia da América do Sul se beneficiaria ainda mais do comércio com a China.
“Pode haver um resultado tarifário que ajude a América Latina se, como resultado da dinâmica ´olho por olho´, ela redirecionar as compras de produtos primários dos EUA para outros fornecedores, como o Brasil e a Argentina”, disse Alejo Czerwonko, CIO para mercados emergentes nas Américas do UBS Global Wealth Management.
“A retórica de que a incerteza tarifária só pode prejudicar a América Latina pode ser excessivamente simplista.”
(Reportagem adicional de Libby George em Londres)