Recentemente, tomou conta das manchetes a notícia sobre o rombo contábil das Americanas. A maior varejista da América Latina anunciou que havia encontrado “inconsistências” em seus balanços, totalizando R$ 20 bilhões em dívidas.
Em resposta, o mercado registrou queda de 77% no valor das ações e desvalorização R$ 8,4 bilhões em valor de mercado, em um único dia, e para evitar falência, a companhia deu entrada em um pedido de recuperação judicial.
Para entender melhor o tema, vamos analisar alguns pontos:
Em Direito Empresarial, estudamos que quem exerce empresa deve apresentar, anualmente, o registro da movimentação do exercício anterior em seus Livros Contábeis, e entre outros documentos fiscais, o balanço patrimonial e os demonstrativos financeiros são os mais conhecidos.
O balanço traz, basicamente, uma tabela em duas colunas, onde na primeira registram-se os ativos (tudo aquilo que a sociedade possui em bens, valores e direitos) e na outra coluna, o passivo (suas dívidas e demais obrigações). É bastante simples, e como o próprio nome diz, pretende demonstrar o equilíbrio entre as entradas e saídas, consolidando a posição financeira e econômica de uma organização, e assim, possíveis investidores conseguem avaliar o risco dessa gestão empresarial.
A Inconsistência de Informações
Foi nesse documento que a Americanas verificou incorreções nos registros de operações de risco que realizava, onde repassava a responsabilidade pelo pagamento aos seus fornecedores para as instituições financeiras, que além de registrados com a classificação contábil errada, durante anos acumularam juros:
O fato é que ao identificarem a situação, dois executivos que haviam recém assumido posições de diretoria (Sergio Rial e André Covre) renunciaram aos cargos por considerarem a manutenção do funcionamento da companhia praticamente inviável, segundo Sérgio Rial:
“A primeira grande conclusão é que não estamos falando de um número que está fora do balanço. Só que ele não está registrado de forma apropriada ao longo dos últimos anos.”¹
Para se ter um parâmetro, o valor da dívida equivale ao valor de mercado de grandes empresas como a Magazine Luiza e as Lojas Renner, e supera em muito o valor da própria, especialmente após sua queda na Bolsa de Valores.
Uma das principais reações dos credores foi a exigência antecipada e imediata das obrigações, juntamente com o rebaixamento da nota de crédito pelas agências de classificação de risco e bloqueio de recursos, dada a insuficiência da quantia em caixa (R$ 800 milhões) e como forma de se protegerem.
O Pedido de Recuperação Judicial
A única saída foi o pedido de recuperação judicial, que tem por objetivo a “manutenção de empregos, pagamento de impostos e a boa relação com seus fornecedores, credores e investidores de forma geral”.
A posição em que uma empresa possui mais passivos do que ativos é chamada de insolvência, que por sua vez, pode levar à falência, seja por pedido de seus credores (falência involuntária), pela própria empresa devedora, ou por qualquer cotista, acionista ou herdeiros do devedor.
Na falência, a sociedade empresária encerra suas atividades, e seus bens são leiloados para que o patrimônio resultante seja dividido proporcionalmente entre os credores, por ordem de preferência.
Já na recuperação judicial, a empresa devedora busca um acordo com seus credores, com o apoio e a supervisão da justiça.
Inicialmente, a sociedade empresária faz um pedido à Justiça explicando as razões da crise, apresentado juntamente com as demonstrações contábeis dos três últimos anos, a relação completa dos credores, dos bens particulares dos sócios controladores e administradores, entre outros documentos.
Desde janeiro de 2021, estão valendo novas regras para a recuperação judicial e a falência no Brasil, por conta da entrada em vigor da Lei nº 14.112/2020, que alterou pontos da Lei de Falências de 2005. Dentre as mudanças, surge a possibilidade de que o juiz determine a suspensão de todas as execuções contra a empresa, antes mesmo de analisar os documentos do pedido de recuperação judicial, com o objetivo de que a devedora tente um acordo diretamente com seus credores.
O Plano de Recuperação
Sem sucesso em um acordo, o Grupo Americanas deu entrada no pedido de recuperação judicial na 4º Vara Empresarial do Rio de Janeiro, e desde 20 de janeiro deste ano, foi aceito com a determinação de desbloqueio de recursos da varejista, entrando em vigor o prazo de blindagem contra execuções. Ainda está pendente a entrega de documentos, tais como a lista completa somando mais de 16 mil credores, além de seu plano de reestruturação.
As dívidas permanecem congeladas por 180 dias, e em até 60 dias a sociedade empresária deve apresentar um plano de recuperação, em que são propostas formas de negociação para pagamentos parcelados e/ou com desconto.
Do plano apresentado, reúnem-se os credores envolvidos, formando uma assembleia, para votar e aprovar (ou não). Caso reprovado, os próprios credores podem propor um plano alternativo e colocá-lo em votação. Ainda assim, se os esforços para compor resultarem infrutíferos, restará a falência.
Mesmo em um cenário em que o plano seja aprovado, se em algum momento a sociedade empresária não cumprir com as obrigações pactuadas, os credores podem pedir a falência.
O processo exigirá um esforço incomum para ser levado adiante e deve encontrar muita resistência por parte dos credores, que além da demora para receber, terão um pagamento parcial devido aos descontos que devem ser aplicados. A sociedade empresária, porém, reitera seu posicionamento no intuito de demonstrar empenho em investigar a fundo o cenário e apresentar suas conclusões aos acionistas, ao mercado e à sociedade em geral. Vale lembrar que a soma da dívida de R$ 43 bilhões faz com que o processo seja o 4ª maior da história do Brasil, atrás apenas da Odebrecht, da Oi e da Samarco.