A inteligência artificial já não é mais ficção científica nas investigações criminais. Ferramentas como reconhecimento facial, análise preditiva e monitoramento automatizado estão cada vez mais presentes nas rotinas das polícias e órgãos de segurança, tanto no Brasil quanto no exterior. Mas, junto com a promessa de mais eficiência, um questionamento ecoa: como garantir que a tecnologia respeite a privacidade, a transparência e os direitos fundamentais de todos?
1 – Novas Fronteiras: Como a IA está mudando a investigação criminal
Nos últimos tempos, a tecnologia tem auxiliado as investigações criminais. Em São Paulo, o projeto Smart Sampa utiliza câmeras inteligentes espalhadas pela cidade, capazes de identificar placas de veículos, reconhecer rostos e monitorar fluxos em tempo real. Essas tecnologias viabilizam respostas mais rápidas a ocorrências e facilitam a identificação de suspeitos em grandes eventos ou áreas de risco.
Outro ponto marcante do uso da tecnologia para investigações criminais é o emprego de testes de DNA em casos antigos e emblemáticos. Com bancos de dados genéticos cada vez mais robustos e algoritmos sofisticados, crimes que permaneceram sem solução por décadas estão sendo reabertos e desvendados. Casos de repercussão internacional, como o do “Golden State Killer” nos Estados Unidos, mostram como a combinação de tecnologia e investigação tradicional pode trazer justiça mesmo após muitos anos.
Esses exemplos ilustram o potencial da tecnologia – e, mais recentemente, da IA – para tornar as investigações mais eficientes, mas também levantam questões: até onde a tecnologia pode ir? Quais limites devem ser respeitados?
2 – Transparência: O desafio de explicar o uso da tecnologia
A transparência é um dos pontos-chave sobre a utilização de novas tecnologias em investigações criminais. Não basta adotar novas ferramentas: é preciso que a sociedade compreenda quais dados são coletados e de que forma as decisões são tomadas.
No Brasil, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) estabelece regras claras para o tratamento de informações pessoais, exigindo que órgãos públicos e empresas informem sobre a coleta, o uso e o compartilhamento de dados. Mas, na prática, como equilibrar o dever de informar com a necessidade de proteger investigações sensíveis?
É preciso ponderar: de um lado, o direito à privacidade e à intimidade dos cidadãos; de outro, o interesse público na elucidação de crimes e na promoção da segurança. A divulgação de informações sobre o funcionamento de algoritmos e políticas de dados deve respeitar limites legais, mas não pode ser um obstáculo à realização das averiguações.
3 – Direitos Fundamentais: Privacidade, Devido Processo e Respeito aos Dados
O uso de IA em investigações criminais impacta diretamente direitos fundamentais. A privacidade, por exemplo, é o direito de cada pessoa controlar suas informações e proteger sua vida pessoal de interferências indevidas. No Brasil, esse direito está assegurado pela Constituição Federal (art. 5º, X) e reforçado por tratados internacionais de direitos humanos.
O devido processo legal é outro direito fundamental que deve ser observado: toda investigação ou acusação deve respeitar etapas e procedimentos justos, garantindo defesa e revisão de decisões. A intimidade e o respeito aos dados pessoais também são protegidos por lei, exigindo cautela no acesso, cruzamento e análise de grandes volumes de informações sensíveis.
Afinal, a utilização de tecnologia não pode representar uma oportunidade para violar os direitos mais fundamentais de qualquer ser humano.
4 – O que está acontecendo lá fora? Exemplos internacionais e tendências
O uso de IA e tecnologia em investigações criminais não é exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, sistemas de reconhecimento facial e bancos de dados genéticos têm sido empregados para solucionar crimes e identificar suspeitos, mas também enfrentam críticas sobre privacidade e vieses raciais. O caso do “Golden State Killer”, resolvido após décadas graças à análise de DNA e cruzamento de dados familiares, é um marco dessa nova era.
Na União Europeia, o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) e propostas de regulação específica para sistemas de IA de alto risco mostram que o tema é tratado com seriedade. O debate sobre limites éticos, transparência e direitos fundamentais é intenso, e serve de referência para outros países, inclusive o Brasil, que avança com a LGPD e discussões sobre o Marco Legal da Inteligência Artificial.
Portanto, a inteligência artificial representa uma aliada poderosa na investigação criminal, capaz de acelerar processos, ampliar o alcance das investigações e trazer respostas para casos complexos. No entanto, seu uso exige cautela, transparência e respeito intransigente aos direitos fundamentais. O grande desafio está em construir um ambiente regulatório e institucional que permita a inovação sem abrir mão das garantias essenciais à democracia.
O debate está apenas começando, e cabe a todos – operadores do direito, pesquisadores, legisladores e sociedade civil – participar ativamente da construção desse novo paradigma. Afinal, a tecnologia deve servir à justiça, e não o contrário.
Quer se aprofundar? Leia o livro “Inteligência Artificial na Investigação Criminal”, de Pedro Luís de Almeida Camargo.




