Nos últimos anos, a sociedade tem passado por transformações significativas em suas estruturas familiares e nas formas de exercer a parentalidade. Famílias compostas por apenas um dos genitores (monoparentais), por pessoas sem pais ou ascendentes (anaparentais) ou até mesmo com mais de dois pais (multiparentais), passaram a ser reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, impactando significativamente o Direito das Famílias. Um dos reflexos mais marcantes dessa mudança está na forma como lidamos com a guarda dos filhos após o fim do relacionamento conjugal ou da união estável.
A guarda compartilhada, prevista no artigo 1.583 do Código Civil, ganhou força com a Lei nº 13.058/2014. Desde então, passou a ser a regra no ordenamento jurídico brasileiro, devendo ser priorizada sempre que possível, mesmo que os pais não entrem em consenso. Mas, na prática, será que ela funciona como deveria?
O que é família?
Antes de falar da guarda em si, é importante entender o conceito de família no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição Federal de 1988 apresentou uma visão mais inclusiva de entidade familiar, reconhecendo expressamente a união estável (art. 226, § 3º, da CF) e valorizando a afetividade como elemento estruturante das relações familiares. Foi a partir desse momento que o modelo tradicional — baseado no matrimônio — deixou de ser a única forma de família reconhecida legalmente, como ocorria em Cartas Constitucionais anteriores.
A Constituição Federal consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88) como fundamento norteador do Direito brasileiro. Por isso, a Constituição buscou preservar e proteger os vínculos afetivos no ambiente familiar, independentemente da sua configuração formal.
Esse contexto de mudanças influenciou notavelmente o exercício da guarda dos filhos. Assim, sob o entendimento da Constituição Cidadã, a guarda ganhou um sentido especial: o de assegurar o direito ao afeto e ao cuidado de ambos os pais, pensando no bem-estar da criança ou adolescente.
Guarda compartilhada: conceito e aplicabilidade
A guarda compartilhada é definida como o modelo no qual os pais partilham, de forma conjunta, as responsabilidades sobre a vida dos filhos. Diferentemente do que se difunde, situações de guarda compartilhada não implicam no compartilhamento igual do tempo com os pais, mas sim no poder de decisão dos pais no momento de discutir temas importantes ao menor, como educação, saúde, religião e rotina.
Nesse sentido, conciliando questões relacionadas ao bem-estar do menor e os fundamentos constitucionais, a legislação brasileira determina que, nos moldes do artigo 1.584, § 2º, do Código Civil, quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada. Ou seja, a guarda compartilhada é regra na norma nacional, sendo afastada apenas em situações excepcionais, como quando um dos pais não desejar a guarda ou houver elementos que indiquem risco de violência doméstica ou familiar.
Os principais desafios da guarda compartilhada
Apesar dos avanços legislativos, a aplicação da guarda compartilhada ainda apresenta desafios significativos. Pode-se citar, por exemplo, a falta de uniformidade nas decisões judiciais, uma vez que muitos magistrados têm resistência para aplicar o modelo, especialmente quando os pais têm uma relação conflituosa. Nesse sentido, pontua-se que a sociedade brasileira, via de regra, entende que o papel de cuidado pertence à figura feminina — questão muito bem analisada pelo livro Proteção Jurídica dos Cuidados — o que dificulta medidas judiciais em outro sentido.
Outro ponto crítico é a comunicação entre os pais. Em separações conflituosas, o diálogo costuma ser difícil, o que pode afetar significativamente o sucesso da medida.
Ainda, é importante observar que a guarda compartilhada não resolve, por si só, os problemas da parentalidade pós-divórcio; muito pelo contrário, pode ocasionar ainda mais conflitos caso não haja diálogo entre os pais. No entanto, é a medida necessária para garantir os direitos da criança e do adolescente.
Afetividade e corresponsabilidade: um novo paradigma familiar
A guarda compartilhada representa um marco importante no Direito das Famílias nacional, pois estabelece responsabilidades conjuntas, evitando que os cuidados com a criança recaiam exclusivamente sobre um dos genitores.
Mais do que um instrumento legal, a guarda compartilhada é um modelo mais justo, participativo e que respeita o direito da criança de crescer com segurança, amor e estabilidade emocional, razão pela qual deve ser melhor estudado.
Obra Guarda Compartilhada, 6ª ed., de Rafael Madaleno e Rolf Madaleno
Para quem busca entender mais a fundo sobre essa temática, a obra Guarda Compartilhada, dos juristas Rafael Madaleno e Rolf Madaleno, é uma ótima oportunidade de aprofundamento no tema. Atualizado e revisado, este livro, em sua 6ª edição, aborda o tema com profundidade, tratando também das mais novas discussões na área, como o projeto de Contrarreforma do Código Civil, atualizações legislativas sobre exposição digital de crianças e os limites da intervenção judicial em casos de alienação parental.
Escrita com linguagem clara e acessível, a obra é indicada tanto para operadores do Direito quanto para pais e mães que desejam estudar mais sobre a guarda compartilhada.
Por fim, cabe concluir que a implementação da guarda compartilhada reforçou a ideia de que o cuidado com os filhos deve ser uma responsabilidade dividida, mesmo após o fim da relação conjugal. Mais do que uma obrigação legal, ela representa um avanço na forma como enxergamos a parentalidade, reconhecendo a importância da presença ativa de ambos os pais na vida da criança. Com diálogo, respeito e comprometimento, esse modelo pode ser uma ferramenta poderosa para garantir o bem-estar dos filhos e fortalecer os laços familiares, mesmo em novos arranjos.
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