Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira o ex-presidente Jair Bolsonaro por cinco crimes relacionados a uma tentativa de golpe de Estado após sua derrota na eleição de 2022, impondo um duro golpe ao líder de direita, que já está em prisão domiciliar.
Ao definir o placar do colegiado, o presidente da Turma, Cristiano Zanin, seguiu a maioria já formada pelos votos do relator da ação, Alexandre de Moraes, e dos colegas Flávio Dino e Cármen Lúcia no sentido de punir o ex-presidente. Apenas o ministro Luiz Fux divergiu dos colegas e votou por absolvê-lo.
Bolsonaro e os demais sete réus foram condenados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República.
O julgamento, que começou na semana passada, será concluído depois que os ministros discutirem o tempo das eventuais penas de prisão e quais os regimes de cumprimento delas, a chamada dosimetria. Bolsonaro poderá pegar até 43 anos de prisão, se considerados agravantes para os crimes.
O ex-presidente, que está em prisão domiciliar, nega todas as acusações. Ele afirma que, embora tenha tido conversas sobre a possível decretação de Estado de Sítio, jamais deu qualquer ordem nesse sentido. Alega também que estava nos Estados Unidos quando aconteceram os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
Bolsonaro e aliados foram acusados de tramar desde meados de 2021 uma série de iniciativas para usar a estrutura do Estado para atacar e perseguir ministros do Supremo, descredibilizar o sistema eletrônico de votação e de medidas para impedir a posse ou derrubar o governo legitimamente eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — ações que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 por manifestantes bolsonaristas.
Maior liderança da direita brasileira, Bolsonaro torna-se o primeiro ex-presidente da história do país a ser condenado por atacar a democracia. A condenação dele também ecoa condenações neste ano contra líderes de extrema-direita em outros países, incluindo Marine Le Pen, da França, e Rodrigo Duterte, das Filipinas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, aliado de Bolsonaro e que classificou o caso contra ele como uma “caça às bruxas”, disse ter ficado muito insatisfeito com a condenação do ex-presidente, descrevendo o veredicto como surpreendente.
Em julho, Trump impôs um aumento de tarifas sobre produtos brasileiros usando como um dos argumentos o julgamento de Bolsonaro. O governo norte-americano também impôs sanções contra Moraes e revogou vistos da maioria dos ministros do Supremo.
O veredicto marca ainda a primeira vez desde que o Brasil se tornou uma República, há quase 140 anos, que militares são punidos por tentarem derrubar a democracia. Seis dos oito réus condenados, incluindo Bolsonaro, são ou já foram militares.
A condenação do ex-presidente deve aumentar também a pressão, de um lado, pelo avanço de anistia a condenados pelos crimes ligados ao 8 de janeiro — entre eles o próprio Bolsonaro — e, de outro, principalmente de lideranças partidárias de centro, para que se defina logo um candidato com a bênção dele. A pressão principal do chamado centrão é para que o governador de São Paulo e ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, seja o candidato a presidente do grupo em 2026.
Por condenação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ex-presidente está impedido de concorrer a cargos eletivos até 2030.
JULGAMENTO
Primeira a votar nesta quinta, Cármen Lúcia deu o voto decisivo que sacramentou a maioria contra Bolsonaro. Para a ministra, ele não foi “tragado” para o cenário de insurgências, mas sim o causador, líder e organizador de toda a trama.
“A Procuradoria afirmou exatamente — e acho e já antecipo que, para mim, fez prova cabal — de que o grupo liderado por Jair Messias Bolsonaro, composto por figuras-chaves do governo, das Forças Armadas e de órgãos de inteligência, desenvolveu e implementou plano progressivo e sistemático de ataques às instituições democráticas com a finalidade de prejudicar a alternância legítima de Poder nas eleições de 2022, limar o livre exercício dos demais Poderes constitucionais, especialmente do Poder Judiciário”, disse a ministra em seu voto.
Cristiano Zanin deu o último voto para condenar Bolsonaro, ressaltando que ele também era o líder e beneficiário das ações golpistas. “É imperiosa a pretensão punitiva a este réu”, disse.
O ministro disse que Bolsonaro tinha ciência de um plano dos golpistas para assassinar o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, o vice dele, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes. “O acusado deu aval para que atos planejados fossem executados”, disse.
Na véspera, Luiz Fux deu um longo voto em que absolveu Bolsonaro e outros cinco réus de todos os cinco crimes de que são acusados. O ministro, no entanto, havia se manifestado pela punição de Cid e do general da reserva Walter Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil e da Defesa e candidato a vice na chapa de Bolsonaro em 2022, pelo crime de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Ao final, Bolsonaro e os demais sete réus foram condenados por todos os crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
A sessão desta quinta foi marcada por apartes de todos os ministros, exceto Fux, que permaneceu silente durante a análise do caso. Em uma atitude incomum, o decano do STF, Gilmar Mendes, acompanhou o dia decisivo do julgamento.
(Edição de Pedro Fonseca e Eduardo Simões)