Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira o ex-presidente Jair Bolsonaro por cinco crimes relacionados a uma tentativa de golpe de Estado após sua derrota na eleição de 2022 e o sentenciou a uma pena de 27 anos e 3 meses de prisão em regime inicialmente fechado, impondo um duro golpe ao líder de direita, que já está em prisão domiciliar.
Como consequência da condenação, Bolsonaro pode ficar inelegível até 2060. O ex-presidente já estava inelegível até 2030 por duas condenações pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Os ministros do Supremo fixaram ainda 124 dias-multa a Bolsonaro, com cada dia equivalente a dois salários mínimos.
De maneira geral, os ministros da Primeira Turma seguiram a dosimetria da pena proposta pelo relator da ação, Alexandre de Moraes, que considerou a conduta de Bolsonaro altamente reprovável, agravando o tamanho da sua pena.
Para Moraes, as circunstâncias da conduta do ex-presidente, considerado o líder da organização criminosa, são “gravemente” desfavoráveis. Segundo ele, Bolsonaro “instrumentalizou o aparato institucional para gerar instabilidade social e se manter no poder”.
Contudo, Bolsonaro foi beneficiado por redução da pena por já ter 70 anos, conforme prevê a legislação.
A Primeira Turma do STF também determinou a perda de patentes de Bolsonaro e dos demais réus militares no julgamento, todos condenados por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes.
Os ministros fixaram ainda um pagamento solidário de R$30 milhões a Bolsonaro e aos outros sete condenados por danos morais.
Essas decisões, entretanto, não vão ser cumpridas imediatamente porque ainda cabe recurso da decisão do colegiado, caso dos embargos de declaração, usado para sanar eventuais pontos obscuros ou contraditórios da decisão.
A defesa de Bolsonaro disse receber a condenação do ex-presidente “com respeito”, mas também com “profunda discordância e indignação”. A equipe reiterou a posição defendida perante o tribunal de que ele não atentou contra o Estado Democrático ou participou de qualquer plano, além de não ter participado dos atos de 8 de janeiro de 2023.
“A defesa entende que as penas fixadas são absurdamente excessivas e desproporcionais e, após analisar os termos do acórdão, ajuizará os recursos cabíveis, inclusive no âmbito internacional”, diz nota assinada pelos advogados de defesa Celso Vilardi e Paulo Amador da Cunha Bueno.
No encerramento da sessão, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, que presenciou a etapa final nesta quinta-feira, disse que se tratou de um julgamento “público, transparente, baseado nas mais diversas provas”.
Barroso acrescentou acreditar que esteja sendo encerrado o ciclo do atraso do golpismo.
OUTROS RÉUS
Pouco antes da sentença de Bolsonaro, o colegiado decidiu fixar a pena de dois anos de prisão em regime aberto de cumprimento de pena do delator Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente, condenado no processo por cinco crimes.
Os ministros entenderam que a colaboração do réu foi importante e ajudou nas investigações e efetiva para a análise do caso. Eles entenderam que o delator deverá manter os benefícios da colaboração.
O ex-ministro e ex-candidato a vice na chapa de reeleição de Bolsonaro Walter Braga Netto foi condenado a 26 anos de prisão, o ex-ministro Anderson Torres recebeu 24 anos, assim como o ex-comandante da Marinha Almir Garnier. O ex-ministro Augusto Heleno recebeu 21 anos, enquanto o ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira foi condenado a 19 anos. O deputado federal Alexandre Ramagem, ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), recebeu 16 anos, 1 mês e 15 dias.
Bolsonaro e os demais sete réus foram condenados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado, conforme a denúncia da Procuradoria-Geral da República.
O ex-presidente e aliados foram acusados de tramar desde meados de 2021 uma série de iniciativas para usar a estrutura do Estado para atacar e perseguir ministros do Supremo, descredibilizar o sistema eletrônico de votação e de medidas para impedir a posse ou derrubar o governo legitimamente eleito do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — ações que culminaram na invasão das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 por manifestantes bolsonaristas.
O ex-presidente, que está em prisão domiciliar, nega todas as acusações. Ele afirma que, embora tenha tido conversas sobre a possível decretação de Estado de Sítio, jamais deu qualquer ordem nesse sentido. Alega também que estava nos Estados Unidos quando aconteceram os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.
“CAÇA ÀS BRUXAS”
Maior liderança da direita brasileira, Bolsonaro torna-se o primeiro ex-presidente da história do país a ser condenado por atacar a democracia. A condenação dele também ecoa condenações neste ano contra líderes de extrema-direita em outros países, incluindo Marine Le Pen, da França, e Rodrigo Duterte, das Filipinas.
O presidente dos EUA, Donald Trump, aliado de Bolsonaro e que classificou o caso contra ele como uma “caça às bruxas”, disse ter ficado surpreso com a condenação do ex-presidente.
Em julho, Trump impôs um aumento de tarifas sobre produtos brasileiros usando como um dos argumentos o julgamento de Bolsonaro. O governo norte-americano também impôs sanções contra Moraes e revogou vistos da maioria dos ministros do Supremo.
O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, disse nesta quinta-feira que o país “responderá adequadamente a essa caça às bruxas” depois que Bolsonaro foi condenado.
O veredicto marca ainda a primeira vez desde que o Brasil se tornou uma República, há quase 140 anos, que militares são punidos por tentarem derrubar a democracia. Seis dos oito réus condenados, incluindo Bolsonaro, são ou já foram militares.
A condenação do ex-presidente deve aumentar também a pressão, de um lado, pelo avanço de anistia a condenados pelos crimes ligados ao 8 de janeiro — entre eles o próprio Bolsonaro — e, de outro, principalmente de lideranças partidárias de centro, para que se defina logo um candidato com a bênção dele. A pressão principal do chamado centrão é para que o governador de São Paulo e ex-ministro de Bolsonaro, Tarcísio de Freitas, seja o candidato a presidente do grupo em 2026.
(Reportagem adicional de Luciana Magalhães e Lisandra Paraguassu)