Os criptoativos são ativos digitais de natureza descentralizada que, por muitas vezes, operam à margem da supervisão estatal, despertando crescente interesse entre investidores. Essa expansão, entretanto, evidencia a necessidade de normas claras que assegurem segurança jurídica às partes envolvidas.
Esses ativos operam por meio da tecnologia blockchain, uma rede descentralizada que dispensa intermediários e reduz a dependência de instituições financeiras tradicionais, possibilitando transações seguras e anônimas, que ocorrem, por meio da tecnologia peer-topeer, diretamente entre carteiras digitais.
Contudo, a ausência de regulamentação adequada dos criptoativos, por sua vez, acarreta riscos significativos, bem como pode facilitar práticas ilícitas, a exemplo da lavagem de dinheiro e da evasão fiscal, já que o atrativo das criptomoedas consiste justamente no anonimato das partes envolvidas na transação.
Verifica-se, no Brasil, certo esforço para regulamentar o mercado financeiro digital, ainda que em desenvolvimento. A título exemplificativo, a Instrução Normativa RFB nº 1.888/2019 determina que transações acima de R$ 30 mil devem ser declaradas à Receita Federal, e os ganhos obtidos estão sujeitos à tributação de até 22,5%, conforme a tabela progressiva do Imposto de Renda. Assim, os criptoativos são equiparados, nesse contexto, a ativos financeiros, sujeitos à tributação sobre ganhos de capital em caso de valorização e liquidação.
Apesar da promulgação do Marco Legal das Criptomoedas (Lei nº 14.478/2022), que estabelece diretrizes gerais e busca oferecer maior segurança aos participantes do mercado, persistem desafios na tributação dos criptoativos, especialmente diante da indefinição quanto à sua natureza jurídica.
Cumpre salientar que, embora a Receita Federal enquadre os criptoativos como “bens e direitos”, não há reconhecimento formal das criptomoedas como ativos financeiros devidamente regulados.
Desse modo, a inexistência de um órgão regulador específico e a falta de clareza nas normas fiscais demonstram a urgência de atualização legislativa, inclusive para abordar atividades como a mineração e o uso de criptomoedas como meio de pagamento.
Nesse contexto, o Parecer de Orientação nº 40 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) destaca os riscos aos investidores e o comprometimento da integridade do mercado, em razão da ausência de fiscalização e da fragmentação regulatória.
A Receita Federal, por sua vez, vem intensificando esforços para disciplinar a tributação de criptoativos, conforme a Instrução Normativa RFB nº 2.180/2024, que tornou obrigatória a declaração de operações envolvendo esses ativos.
Nos últimos anos, diversas propostas legislativas buscaram regulamentar o mercado de criptoativos no país, como:
- o Projeto de Lei nº 2.303/2015, do Deputado Áureo Ribeiro, que previa o enquadramento dos criptoativos como “arranjos de pagamento”, sob supervisão do Banco Central;
- o Projeto de Lei nº 3.825/2019, do Senador Flávio Arns, que condicionava a atuação das operadoras à aprovação do Banco Central;
- o Projeto de Lei nº 3.949/2019, do Senador Styvenson Valentim, que atribuía ao Banco Central a regulamentação das exchanges de criptoativos;
- o Projeto de Lei nº 4.207/2020, da Senadora Soraya Thronicke, que estabelecia normas para a emissão de moedas e outros ativos virtuais, atribuindo competências fiscalizatórias e regulatórias;
- o Projeto de Lei nº 2.140/2021, do Deputado Alexandre Frota, que impunha ao Banco Central prazo de 180 dias para regulamentar as transações; e
- o Projeto de Lei nº 4.401/2021, do Deputado Áureo Ribeiro, que estabelecia diretrizes para a oferta de serviços virtuais e regulação de empresas de ativos digitais.
E, por sua vez, a recente reforma tributária, materializada no Projeto de Lei Complementar nº 68/2024, introduz mudanças substanciais para o setor de criptomoedas, com o objetivo de simplificar o sistema tributário, fortalecer o pacto federativo, reduzir a carga tributária e adequar o Imposto de Renda às novas realidades econômicas.
Especificamente para o setor de criptoativos, as transações passam a ser abrangidas pelo Imposto Sobre Bens e Serviços – IBS e pela Contribuição Social Sobre Bens e Serviços – CBS, que prevê regime especial para serviços financeiros, incluindo “serviços de ativos virtuais”.
Por outro lado, a Lei nº 14.754/2023, trata especificamente das criptomoedas mantidas em corretoras estrangeiras, fixando alíquota única de 15% sobre os ganhos de capital, em substituição às alíquotas progressivas anteriores de até 22,5%. A norma também impõe às “exchanges”, nacionais e internacionais, o dever de reportar informações de clientes à Receita Federal.
Por conseguinte, tanto a reforma tributária quanto a nova legislação sobre tributação de criptoativos representam avanços significativos rumo à modernização e simplificação do sistema fiscal brasileiro, restando promover a integração dessas normas ao ordenamento jurídico vigente e a adaptação de contribuintes e das instituições financeiras, a fim de proporcionar uma base sólida para o amadurecimento do mercado financeiro digital no país.
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Texto escrito por Julia Mattos de Martini: Formada em Direito e Filosofia. Possui experiência em Direito Imobiliário, Contratos, Tributário, Previdenciário e Direito de Seguros. Autora do livro “Edição Genética para Fins Estéticos e a Tutela do Direito”, 1ª ed.





