A Lei nº 8.072/1990, conhecida como Lei dos Crimes Hediondos, é um dos marcos mais emblemáticos do endurecimento penal no Brasil. Promulgada em um contexto de grande comoção social, no início da década de 1990, a lei buscou dar uma resposta imediata ao aumento da criminalidade violenta, estabelecendo um tratamento mais severo para determinados delitos considerados de extrema gravidade.
Mas, afinal, o que são crimes hediondos? Quais as principais consequências dessa legislação? Como ela impacta o sistema penal brasileiro até hoje? Confira abaixo os pontos essenciais para entender essa lei.
O que são crimes hediondos?
Ao contrário do que muitos imaginam, a Lei dos Crimes Hediondos não define o que é “hediondo” de forma abstrata. Em vez disso, ela lista, em seu artigo 1º, ao longo de seus incisos e parágrafo único, quais crimes são considerados hediondos, como homicídio (quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio); feminicídio; latrocínio; extorsão mediante sequestro; estupro; epidemia com resultado morte e genocídio. Além disso, equipara aos hediondos delitos como tortura, tráfico de drogas e terrorismo.
Quais as principais consequências da Lei dos Crimes Hediondos?
A Lei nº 8.072/1990 trouxe uma série de consequências práticas para quem é acusado ou condenado por crimes hediondos. Entre as principais, destacam-se:
- Penas mais altas
A lei aumentou significativamente as penalidades para os crimes classificados como hediondos, tornando-as mais rigorosas do que para crimes comuns. Por exemplo, o crime de latrocínio, que antes da Lei dos Crimes Hediondos tinha pena mínima de 15 anos de reclusão, passou a ter pena mínima de 20 anos. Da mesma forma, o estupro, cuja pena mínima era de 3 anos, foi elevada para 6 anos de reclusão.
- Regime inicial fechado
Originalmente, a lei previa que a pena para crimes hediondos deveria ser cumprida integralmente em regime fechado, vedando a progressão para regimes mais brandos. Esse ponto, porém, foi posteriormente declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF), permitindo a progressão de regime, mas com critérios mais rígidos, no julgamento do HC 82.959, relatado pelo Min. Marco Aurélio, em 2006.
- Vedação de benefícios
A legislação penal proibiu a concessão de anistia, graça e indulto para condenados por crimes hediondos. Também vedou, em sua redação original, a liberdade provisória e a fiança, medidas que foram objeto de intensos debates e revisões judiciais ao longo dos anos.
- Delação premiada
A lei inovou ao prever a possibilidade de redução de pena para o coautor ou partícipe que colaborasse com a investigação, especialmente em casos de sequestro e tráfico de drogas.
- Progressão de regime e livramento condicional
Com as alterações legislativas e decisões do STF, a progressão de regime passou a ser permitida, mas exige o cumprimento de uma fração maior da pena (em geral, 2/5 para primários e 3/5 para reincidentes, podendo chegar a percentuais ainda mais elevados em situações específicas, como no caso do feminicídio).
Atualizações e ampliação do rol de crimes hediondos
Desde sua promulgação, há 35 anos, a Lei dos Crimes Hediondos passou por diversas alterações. Novos crimes foram incluídos no rol, como o feminicídio, o tráfico internacional de armas e o favorecimento da prostituição de crianças e adolescentes. Recentemente, leis como o “Pacote Anticrime” (Lei nº 13.964/2019) e outras normas de 2024 e 2025 ampliaram ainda mais o espectro dos crimes considerados hediondos, reforçando a tendência de endurecimento penal.
Críticas e debates
Apesar do objetivo de combater a criminalidade violenta, a Lei dos Crimes Hediondos sempre foi alvo de críticas por parte de juristas e estudiosos. Muitos apontam que o endurecimento das penas e a restrição de direitos não foram acompanhados de uma efetiva redução da violência, além de terem contribuído para o aumento da população carcerária e para a crise do sistema penitenciário brasileiro.
Diversos estudiosos destacam que a legislação adotou um viés simbólico e punitivista, apostando em respostas legislativas rígidas para dar uma sensação de segurança à sociedade, mas sem atacar as causas estruturais da criminalidade, como desigualdade social, falta de políticas públicas e ausência de oportunidades. O resultado foi o agravamento da superlotação nas prisões, a precarização das condições carcerárias e a consolidação de facções criminosas dentro do sistema prisional, sem que houvesse, de fato, uma melhora nos índices de segurança pública.
O olhar crítico de Alberto Zacharias Toron
Para quem deseja se aprofundar no tema, o livro “Crimes Hediondos: o mito da repressão penal”, de Alberto Zacharias Toron, é leitura fundamental. Na obra, o autor faz uma análise detalhada da Lei nº 8.072/1990, contextualizando seu surgimento, desvendando seus efeitos práticos e questionando a eficácia das políticas de endurecimento penal.
Advogado criminalista há mais de 40 anos, além de Doutor e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo (USP), o autor destaca como a legislação, ao apostar em respostas simbólicas e punitivas, acabou por violar princípios constitucionais e direitos fundamentais, sem atacar as verdadeiras causas da criminalidade. Toron também explora temas específicos, como a vedação da fiança e da liberdade provisória, o regime inicial fechado e os paradoxos criados pela lei, sempre sob uma perspectiva crítica e garantista.
Se você quer entender não só o texto da Lei dos Crimes Hediondos, mas também seus impactos sociais, jurídicos e políticos, o livro de Toron é uma referência certeira, que convida o leitor a refletir sobre os caminhos do direito penal brasileiro e sobre a necessidade de equilibrar segurança pública e respeito aos direitos humanos.
Confira a 3ª edição de “Crimes Hediondos: o mito da repressão penal” no site da Editora Revista dos Tribunais e aprofunde-se nessa discussão tão importante para o nosso tempo.