Em um momento decisivo para a proteção infantil no ambiente digital, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou nesta quarta-feira, 17 de setembro de 2025, a Lei Federal nº 15.211/2025, conhecida como Estatuto Digital da Criança e do Adolescente (ECA Digital). Esta legislação representa um marco histórico na regulamentação da internet brasileira e estabelece um novo paradigma de proteção para menores de idade no ambiente digital.
ECA Digital: Um Novo Capítulo na Proteção Infantil
Passados 35 anos desde a sanção do Estatuto da Criança e Adolescente original, o mundo mudou, e a nova lei reconhece essa transformação digital. O ECA Digital surge como uma resposta necessária aos desafios contemporâneos que crianças e adolescentes enfrentam nas plataformas digitais, desde redes sociais até jogos eletrônicos.
A lei aplica-se a todo produto ou serviço de tecnologia da informação direcionado a crianças e adolescentes no País ou de acesso provável por eles, independentemente de sua localização, desenvolvimento, fabricação, oferta, comercialização e operação. Isso significa que grandes plataformas internacionais como Facebook, Instagram, TikTok, YouTube, jogos online e aplicativos diversos deverão se adequar às novas regras brasileiras.
Principais Inovações e Proteções do Estatuto Digital da Criança e do Adolescente
1. Conteúdos Proibidos e Medidas Preventivas
Uma das principais inovações da lei é a obrigação dos fornecedores de produtos digitais tomarem medidas para prevenir e mitigar riscos de acesso à conteúdos nocivos. O texto obriga as plataformas digitais a tomarem medidas “razoáveis” para prevenir riscos de crianças e adolescentes acessarem conteúdos ilegais ou considerados impróprios para essas faixas etárias, como exploração e abuso sexual, violência física, intimidação, assédio, promoção e comercialização de jogos de azar, práticas publicitárias predatórias e enganosas.
A lei específica claramente os tipos de conteúdo que devem ser bloqueados ou ter o acesso restrito, incluindo:
- Exploração e abuso sexual;
- Violência física e intimidação sistemática virtual;
- Indução a práticas prejudiciais à saúde física ou mental;
- Promoção de jogos de azar, bebidas alcoólicas e narcóticos;
- Práticas publicitárias predatórias;
- Conteúdo pornográfico;
2. Verificação de Idade e Supervisão Parental
Um dos aspectos mais transformador da legislação é o fim da autodeclaração de idade. A lei prevê regras para supervisão dos pais e responsáveis e exige mecanismos mais confiáveis para verificação da idade dos usuários de redes sociais, o que atualmente é feito por autodeclaração.
Para dar efetividade a essa medida, a lei estabelece que devem ser adotados meios confiáveis de verificação de idade a cada acesso do usuário ao conteúdo, produto ou serviço, vedada expressamente a autodeclaração. Isso representa uma mudança radical no modelo atual, onde bastava informar uma data de nascimento para ter acesso a qualquer plataforma.
3. Jogos Eletrônicos e Caixas de Recompensa
A legislação inova ao proibir completamente as “caixas de recompensa” (loot boxes) em jogos eletrônicos direcionados a crianças e adolescentes. Essas funcionalidades, que permitem a aquisição mediante pagamento de itens virtuais aleatórios sem conhecimento prévio do conteúdo, são consideradas uma forma de introdução precoce a práticas similares aos jogos de azar.
4. Publicidade e Perfilamento
A lei estabelece vedação total à utilização de técnicas de perfilamento para direcionamento de publicidade comercial a crianças e adolescentes. Também proíbe o emprego de análise emocional, realidade aumentada, estendida e virtual para fins publicitários direcionados a esse público.
Estrutura de Fiscalização e Governança
Nova Autoridade Reguladora
Uma das novidades da lei é a previsão de que a fiscalização e punição sejam feitas por uma autoridade nacional autônoma, entidade da administração pública que será responsável por zelar, editar regulamentos e procedimentos e fiscalizar o cumprimento da nova legislação por partes das empresas de tecnologias digitais, incluindo redes sociais.
Para viabilizar essa estrutura, Lula assinou uma Medida Provisória que transforma a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) em agência reguladora, com autonomia para fiscalizar e sancionar infrações relacionadas à nova lei. O presidente destacou que a MP amplia orçamento, cria estrutura administrativa e institui cargos de analistas de nível superior, a serem preenchidos via concurso público.
Sistema de Sanções
A lei prevê um sistema robusto de penalidades que incluem:
- Advertência com prazo para correção de até 30 dias;
- Multa simples de até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil ou até R$ 50 milhões por infração;
- Suspensão temporária das atividades;
- Proibição de exercício das atividades.
Transparência e Prestação de Contas
As plataformas com mais de 1 milhão de usuários na faixa etária de crianças e adolescentes deverão elaborar relatórios semestrais em português, contendo informações detalhadas sobre denúncias recebidas, moderação de conteúdo, medidas de proteção de dados e métodos de identificação de contas infantis.
Vetos Presidenciais e Ajustes
Lula vetou três pontos do ECA Digital:
- A definição da Anatel como responsável por bloqueios;
- A destinação imediata das multas ao Fundo de Defesa da Criança e do Adolescente;
- Redução do prazo de entrada em vigor da lei, que passou de um ano para seis meses.
Após vetar o dispositivo sobre o prazo, Lula editou uma MP para definir o prazo de seis meses a partir do qual a lei deverá ser cumprida pelas plataformas digitais que atuam no país. Essa MP que reduz o prazo para entrada em vigor da nova lei tem efeito imediato, mas também precisa ser confirmada pelo Congresso Nacional.
Impactos e Perspectivas
O ECA Digital coloca o Brasil na vanguarda mundial da regulamentação de proteção infantil no ambiente digital. A lei estabelece um modelo que equilibra a proteção de crianças e adolescentes com os direitos fundamentais à liberdade de expressão e privacidade, criando um framework que poderá servir de referência para outros países.
Para as famílias brasileiras, a lei representa uma ferramenta adicional de proteção, exigindo das plataformas maior responsabilidade na criação de ambientes digitais seguros. Para as empresas de tecnologia, significa a necessidade de adequação a um novo padrão regulatório que prioriza o melhor interesse da criança e do adolescente.
A implementação efetiva da Lei nº 15.211/2025 dependerá agora da regulamentação detalhada pela ANPD e da capacidade de fiscalização da nova estrutura criada. O prazo de seis meses para entrada em vigor, se confirmado pelo Congresso, demonstra a urgência reconhecida pelo governo em proteger as novas gerações no ambiente digital.
Com essa legislação, o Brasil reafirma seu compromisso com a proteção integral de crianças e adolescentes, adaptando os princípios do ECA original aos desafios da era digital e estabelecendo um novo padrão de responsabilidade corporativa no ambiente virtual.