Claudia Lima Marques
Diretora da Faculdade de Direito da UFRGS, Professora do PPGD UFRGS e UNINOVE, Pesquisadora 1 A do CNPq, Ex-Presidente do Brasilcon.
dirinter@ufrgs.br
Com um destaque cada vez maior do Dia Internacional do Consumidor em nosso calendário, é necessário alertar para as novas vulnerabilidades do consumidor atual, cada vez mais conectado, digital e endividado (ou mesmo, superendividado!). Um mercado como o brasileiro, marcado pela agressividade nas vendas, campeão de telemarketing e com cada vez mais fraudes e golpes contra consumidores, necessita de uma lei sempre atualizada e que possa coibir práticas comerciais abusivas.
Em um mercado que abusa da fraqueza dos consumidores idosos, analfabetos, doentes – como se viu na pandemia, um mercado marcado pela discriminação, de um lado, e pelo assédio de consumo (nova figura Art. 54-C do Código de Defesa do Consumidor – CDC) de grupos determinados (identificados com o profilling, com o targeting comportamental, com a publicidade direcionada e ‘sur mesure’), cujos dados são coletados e trabalhados pela inteligência artificial, ninguém está realmente protegido e o ideal é evitar os danos, que são sempre de massa. Os doutrinadores europeus já clamam pela ideia de uma ‘vulnerabilidade digital’ geral em tempos de big data e economia das plataformas¹.
O processo de atualização do Código de Defesa do Consumidor no Senado Federal, liderado pelo Ministro Antonio Herman Benjamin, focou nestes dois temas: através da aprovação da Lei 14.181/2021 estabeleceu como paradigma a concessão ‘responsável’ de crédito para a prevenção do superendividamento e evitar a exclusão social (Art, 4, X c/c Art. 54-A a 54-G do CDC) e impôs a cooperação entre credores com o seu consumidor superendividado, em uma conciliação voluntária (nos PROCONS, CEJUSCs, Defensorias, NAS, Balcão dos Consumidor dentre outros núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento, art. 5, VII c/c Art. 104-A e Art. 104-C do CDC), mas também criou um processo especial novo: ‘processo por superendividamento para revisão e integração dos contratos’ no Art. 104-B do CDC, que após a retirada das abusividades dos contratos, também finaliza com um plano compulsório de ‘repactuação das dívidas remanescentes’ do consumidor superendividado².
Ocorre que hoje mais de 65% dos créditos e compras a prazo, seja na concessão, seja no pagamento são feitos à distância, seja pelo comércio eletrônico, seja pelo PIX, cartões, Fintechs, maquininhas etc³. A digitalização está em todas as fases do consumo, do entretenimento, da comunicação, da medicina, do ensino – enfim, da vida e do dia a dia dos consumidores, e como o CDC, que sequer menciona a Internet, pois é de 1990, pode regular tudo isso a contento. Seus princípios da boa-fé, da confiança, da qualidade, da segurança são ótimos, mas a que se ponderar que exigem um grande trabalho do Judiciário, do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor e dos advogados. E novos elementos se somam, como a necessidade de rapidez na prestação, a necessidade de poder rapidamente identificar erros e reverter contratações a distância, necessidades básicas como de perenizar as ofertas (agora visuais e em microssegundos) e ter cópia do contrato, de poder perquirir se houve dark patterns, discriminação, geolocalização ou geopricing etc ⁴.
Nesse mundo novo e digital, com produtos e serviços simbióticos (o consumidor quer a funcionalidade final do produto com elementos e conteúdos digitais: o streaming de filmes, os games, a rapidez, a capacidade de armazenamento e de performance conjunta do serviço e do produto)⁵, inteligentes (Smart) e conectados a robôs com machine learning ou outras formas de inteligência artificial, é preciso novamente ter regras pedagógicas e efetivas, que ajudem e facilitem os fornecedores de serviços e produtos a terem condutas básicas de respeito aos consumidores e seus dados.
Não sejamos ingênuos, o mercado já está na ‘servicização’ (‘vender’ produtos como se fossem ‘serviços’), no ‘5.0’, no marketing comportamental apoiado pela inteligência artificial e no biga data e inovação tecnológica⁶, logo, precisamos urgentemente de ‘inovação’ em nosso Código de Defesa do Consumidor, regras novas que reduzam riscos e garantam práticas leais no mundo digital. Aprovar o Projeto de Lei 3514/2015 é uma necessidade, é um primeiro passo, é trazer o CDC para o século XXI!