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Responsabilidade civil dos hospitais

Responsabilidade civil dos hospitais

responsabilidade civil dos médicos

No âmbito do Direito Médico, a responsabilidade civil dos hospitais está diretamente relacionada à proteção dos direitos dos pacientes e à garantia de segurança jurídica para estes. Nesse contexto, tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor possuem disposições que regulam essa responsabilidade, com particularidades específicas de cada ramo.

O art. 927 do Código Civil estabelece que aquele que, por ato ilícito, causar dano a outra pessoa, fica obrigado a repará-lo, instituindo, assim, a obrigação de reparar o prejuízo causado, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Cumpre salientar que esse tipo de responsabilidade, que obriga o causador do dano a repará-lo, é denominado de responsabilidade objetiva.

Essa última parte, extraída do parágrafo único do artigo supracitado, nos leva a concluir, equivocadamente, que a responsabilidade civil médico-hospitalar se enquadraria na esfera de atividade de risco, mas não é bem assim. Em sua obra “Responsabilidade Civil dos Hospitais”, o autor Miguel Kfouri Neto nos ensina:

“Ao profissional da medicina não se aplica nenhuma dessas disposições do parágrafo único do art. 927: primeiro, por inexistir lei que imponha ao médico o dever de reparar o dano independentemente de culpa; segundo, porque a atividade médica não implica, por sua natureza, risco para o paciente – muito pelo contrário: representa, as mais vezes, esperança de cura, de salvação, de mitigação das dores – e o risco terapêutico (maior ou menor probabilidade de se curar o enfermo), como visto linhas atrás, não depende somente da atuação do profissional médico.

(…)

A previsão do art. 927, parágrafo único, do CC/2002, destina-se a atividades profissionais perigosas (inflamáveis, explosivos, manuseio de substâncias que possam causar doenças profissionais, acidentes nucleares) e ao domínio dos acidentes de trabalho e de circulação.”

Já no âmbito consumerista, o CDC também é aplicável aos hospitais, uma vez que os serviços de saúde são considerados como produtos de consumo e, portanto, respondem objetivamente pelos danos causados a outrem (art. 14, caput, CDC). Porém, em uma análise mais aprofundada, ao observarmos o que dispõe o § 4º do art. 14 do CDC, conclui-se que, quanto à responsabilidade pessoal dos profissionais liberais, o que é o caso dos profissionais da medicina, exige-se a verificação de culpa, ou seja, a eles, o CDC, igualmente ao CC, incumbe responsabilidade subjetiva.

Ainda, é importante ressaltar que a responsabilidade médico-hospitalar não se aplica a todos os eventos adversos ou complicações decorrentes de tratamentos médicos. A simples ocorrência de um resultado indesejado ou insucesso no tratamento não é suficiente para configurar a responsabilidade do hospital. Para isso, é necessário demonstrar que houve uma conduta inadequada, negligência ou violação de um dever de cuidado por parte da instituição.

Muitos são os fatores que podem levar ao insucesso de algum procedimento ou tratamento médico, fatores estes que podem ser quantificados e evitados, mas os riscos nunca serão completamente eliminados. Sobre o assunto, ainda na obra sobre responsabilidade civil dos hospitais, Miguel Kfouri Neto explica: 

“Existem fatores, inerentes ao paciente ou ao próprio tratamento, que intervêm – e muitas vezes condicionam o sucesso da terapia, impedem ou retardam a cura e provocam efeitos colaterais indesejáveis: a) debilidade orgânica; b) predisposição congênita; c) infecções; d) culpa do próprio paciente; e) complexidade do organismo humano; f) efeitos secundários dos medicamentos; e g) anomalias anatômicas. Mesmo em tratamentos singelos, a álea está presente – ainda que em proporções menores – mas nunca deixa de existir.(Grifos nossos)

Faz-se mister ressaltar que existem diferentes modalidades de responsabilidade civil dos hospitais. A responsabilidade pode ser contratual, quando decorre de um contrato firmado entre o hospital e o paciente, como nos casos de internação ou realização de cirurgias. Nesse caso, o hospital tem o dever de cumprir com as obrigações assumidas no contrato, como prestar o devido cuidado médico, fornecer instalações adequadas e garantir a segurança do paciente.

Outra modalidade é a responsabilidade extracontratual, também conhecida como responsabilidade civil por ato ilícito. Ela se configura quando o hospital, mesmo sem uma relação contratual direta com o paciente, causa danos a ele por meio de ações ou omissões, negligentes, imprudentes ou violadoras de normas e padrões de cuidado estabelecidos.

Outro tipo de divisão muito importante a ser levado em conta no momento de delimitar e individualizar a natureza da responsabilidade civil, que distingue diferentes tipos de atividades realizadas no âmbito da assistência médica, é a natureza do ato, cujos tipos são: atos extramédicos, atos paramédicos e atos essencialmente médicos.

Os atos extramédicos referem-se às atividades realizadas por profissionais que não possuem formação médica, mas que desempenham funções complementares no ambiente hospitalar. Esses profissionais atuam em conjunto com os médicos, sob ordens da administração do hospital, prestando cuidados e serviços que contribuem para o tratamento e bem-estar dos pacientes. No entanto, eles não têm competência para realizar diagnósticos ou prescrever tratamentos, sendo sua atuação baseada em protocolos estabelecidos pelo hospital e médicos responsáveis.

Em geral, o hospital é que é responsabilizado por eventuais falhas na supervisão, treinamento ou orientação destes profissionais, principalmente se for comprovada a negligência na organização e na gestão dos serviços de saúde. Ora, se esses profissionais estão sob o comando do hospital, este deve ser responsabilizado pelo defeito do serviço, na forma que preceitua o CDC.

Já os atos paramédicos são aqueles realizados por profissionais de saúde que possuem formação específica e capacitação para realizar procedimentos técnicos, sob a supervisão e orientação dos médicos. Esses profissionais executam atividades que requerem conhecimento especializado e habilidades técnicas específicas. Os atos paramédicos são essenciais para o funcionamento adequado dos serviços de saúde, contribuindo para o diagnóstico, tratamento e monitoramento dos pacientes.

Nesses casos a responsabilidade pode ser compartilhada, e, também, se subordinam às regras do CDC, pois, assim como no âmbito dos atos extramédicos, os hospitais têm o dever de selecionar, capacitar e supervisionar adequadamente os profissionais paramédicos, garantindo que eles atuem de acordo com os padrões de qualidade e segurança estabelecidos. Portanto, em casos de falhas na atuação dos profissionais paramédicos, o hospital pode ser responsabilizado se for comprovada sua negligência na contratação, treinamento ou supervisão desses profissionais.

Por fim, os atos essencialmente médicos são aqueles realizados exclusivamente por médicos, profissionais que possuem a formação acadêmica em Medicina e são legalmente habilitados para o exercício da profissão. Esses atos englobam a realização de diagnósticos, prescrição de tratamentos, realização de cirurgias, intervenções médicas complexas e tomada de decisões clínicas. Esses profissionais são responsáveis por conduzir o cuidado médico dos pacientes, estabelecendo planos terapêuticos, acompanhando sua evolução e tomando decisões clínicas fundamentais para o tratamento.

Já para esses casos, diferentemente dos tipos de atos supracitados, a responsabilidade recai sobre o médico que agiu, desde que provada a sua culpa, como dito no início do texto (art. 14, § 4º, CDC). No entanto, o hospital também poderá responder solidariamente mediante comprovação de imperícia, imprudência ou negligência do profissional da medicina, ou em situações em que o hospital adotar práticas institucionais inadequadas, como falta de recursos, equipamentos ou estrutura adequada, que prejudiquem o desempenho dos médicos ou a qualidade do atendimento, resumindo, quando houver ato vinculado decorrente de falha do serviço prestado.

Em suma, a responsabilidade civil dos hospitais no cenário brasileiro é abarcada pelo Código Civil e Código de Defesa do Consumidor, que reforçam a obrigação dos profissionais e das instituições de saúde de repararem danos causados aos pacientes, sempre observadas as especificidades de cada caso concreto para a definição, quantificação e, muitas vezes, a individualização da responsabilidade. 

Essa responsabilização possui características específicas, diferentes modalidades e pode resultar em consequências que envolvem desde a reparação financeira até a implementação de medidas corretivas e possíveis repercussões penais. Conforme citado, por meio de tais disposições, a legislação busca, principalmente, assegurar a proteção dos direitos dos pacientes e aprimorar a qualidade e a segurança dos serviços de saúde no país.

Saiba mais sobre o tema com as obras: 

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