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Um novo cenário tributário para o setor imobiliário
A promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a Reforma Tributária, inaugura um novo paradigma para o mercado imobiliário brasileiro. Ao substituir cinco tributos — PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS — por apenas dois, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o sistema passa a operar com maior uniformidade e com novas premissas de tributação. Essa reformulação altera de maneira profunda a forma como operações de compra, venda, locação e intermediação imobiliária serão tratadas fiscalmente.
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Equiparação da pessoa física à pessoa jurídica: quando o investidor passa a ser tributado como empresa
Um dos pontos mais relevantes da reforma é a ampliação das hipóteses de equiparação da pessoa física à pessoa jurídica para fins de incidência da CBS e do IBS. A legislação anterior já previa situações pontuais, sobretudo envolvendo loteamento e incorporação, mas essas hipóteses eram restritas e frequentemente contestadas. Decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) ilustravam essa instabilidade ao discutir, por exemplo, se a alienação recorrente de imóveis construídos justificaria a equiparação.
Agora, os critérios tornam-se objetivos e abrangentes. A pessoa física passa a ser contribuinte da CBS e do IBS quando, no ano anterior: (i) auferir receita bruta superior a R$ 240 mil com locação envolvendo mais de três imóveis; ou (ii) alienar mais de três imóveis distintos. Também ocorre equiparação quando o contribuinte vender mais de um imóvel construído por ele próprio nos últimos cinco anos. A norma ainda prevê que, no ano corrente, basta a venda do “quarto imóvel adquirido” ou do “segundo imóvel construído” para que a equiparação seja automática, mesmo sem os limites do ano anterior terem sido alcançados.
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Tributação das vendas de imóveis: mecanismos de transição e novos redutores
Outro eixo importante da reforma diz respeito à tributação da venda de imóveis. Para evitar a reoneração de ativos adquiridos sob o regime anterior, a lei institui mecanismos específicos de ajuste da base de cálculo.
O primeiro é o Redutor de Ajuste (RA), aplicável a imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 2026. Esse redutor permite deduzir do valor da operação o custo de aquisição ou um valor de referência previsto em lei. A escolha entre uma base e outra demandará análise detalhada, especialmente em casos de imóveis antigos ou com valores de escritura muito inferiores aos valores de mercado.
O segundo é o Redutor Social (RS), voltado à redução da carga tributária sobre vendas de imóveis residenciais de baixo valor. Com finalidade social evidente, o mecanismo busca preservar o acesso à moradia e impacta, de maneira direta, a atuação de incorporadoras em segmentos econômicos específicos.
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Locação de imóveis: atenção redobrada aos contratos e à transição
As operações de locação também passam por mudanças relevantes. A reforma prevê alíquotas diferenciadas e cria uma regra de transição para contratos celebrados antes de sua vigência. Esses contratos poderão manter a alíquota antiga de 3,65% até seu término, desde que haja comprovação formal da data de assinatura mediante registro ou assinatura eletrônica qualificada.
A ausência dessa formalização pode implicar a perda do benefício, o que torna imprescindível a auditoria dos contratos vigentes. Administradoras, famílias que utilizam a locação como fonte de renda e investidores que operam com múltiplos imóveis devem revisar seus instrumentos contratuais para evitar impactos inesperados.
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Cronograma de implementação: mudança gradual até 2033
A transição para o novo modelo será escalonada. Em 2026, iniciam-se as “alíquotas-teste”, de 0,9% para a CBS e 0,1% para o IBS. Em 2027 e 2028, ocorre a extinção do PIS e da Cofins. Entre 2029 e 2032, há redução progressiva do ICMS e do ISS, acompanhada da elevação gradual do IBS. Em 2033, o novo sistema estará plenamente implementado.
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Como o mercado deve se preparar
Diante desse cenário, investidores, proprietários e agentes do mercado imobiliário precisam adotar uma postura estratégica. A transição para o novo modelo tributário exigirá atenção às operações e contratos, especialmente no diagnóstico do risco de equiparação como pessoa jurídica, na revisão de portfólios para uso adequado do Redutor de Ajuste e na formalização de contratos de locação para assegurar a aplicação do regime anterior. Também será importante reavaliar modelos de parceria e distribuição de comissões.
As mudanças introduzidas pela Reforma Tributária começam a produzir efeitos já em 2026. Nesse contexto, a compreensão das novas regras e a implementação de um planejamento tributário consistente serão determinantes para garantir segurança jurídica, eficiência e adaptação ao novo ambiente fiscal. Trata-se de um processo de transição que demandará organização e acompanhamento contínuo, mas que tende a trazer maior racionalidade ao setor imobiliário no longo prazo.
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Texto escrito por: Sarah Moura Sereno Silva: Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia e Pós-Graduanda em Direito Tributário pela PUC/RS.




