Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já tem dois votos para condenar o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete réus por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, após os votos apresentados nesta terça-feira pelo relator da ação, Alexandre de Moraes, e o ministro Flávio Dino.
O julgamento foi suspenso no final da tarde após a manifestação de Dino e será retomado na quarta-feira pela manhã com o voto de Luiz Fux, que poderá formar maioria pela condenação de Bolsonaro pelo colegiado de cinco membros.
Em sessão iniciada pela manhã, Moraes deu um longo e contundente voto e disse que Bolsonaro — a quem chamou de “líder da organização criminosa” e “réu confesso” — realizou e liderou desde julho de 2021 até 8 de janeiro de 2023 uma série de “atos executórios” para descredibilizar o sistema eleitoral, atacar o Poder Judiciário, se perpetuar no comando do país e impedir, por meio de um golpe de Estado, a posse do presidente eleito em 2022.
O ministro vinculou Bolsonaro ao plano para assassinar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice dele, Geraldo Alckmin, e o próprio ministro. Citou também que Bolsonaro promoveu uma série de reuniões em que foram discutidas minutas de teor golpista, que só não foram implementadas por negativas dos comandantes à época do Exército e da Aeronáutica.
“Não há nenhuma dúvida, o próprio réu Jair Bolsonaro conversou sobre considerandos, da realização de reuniões do réu Jair Messias Bolsonaro com comandantes das Forças Armadas para discutir a quebra da normalidade institucional”, disse Moraes.
“Não existe previsão constitucional para a decretação de Estado de Sítio, Estado de Defesa ou GLO (garantia da lei e da ordem) no caso de derrota eleitoral. Chame-se como quiser, aqui é uma minuta de golpe de Estado”, ressaltou.
Moraes disse que os ataques às sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023 não ocorreram de forma espontânea, mas vinham sendo preparados e financiados por envolvidos. O ministro comparou a ação de Bolsonaro com um “capo” da máfia, e disse que seria um álibi programado o fato de o ex-presidente ter viajado antes dos ataques para os Estados Unidos.
“Foi a tentativa final dessa organização criminosa o que lá atrás foi dito na live de julho de 2021 pelo réu Jair Bolsonaro”, afirmou ele, ao citar que no dia dos ataques Bolsonaro chegou a postar na rede social uma mensagem de apoio aos movimentos golpistas, e depois a apagou.
Moraes votou para condenar o ex-presidente e os demais réus pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito; tentativa de golpe de Estado; participação em organização criminosa armada; dano qualificado; e deterioração de patrimônio tombado.
Se condenado, Bolsonaro poderá pegar até 43 anos de prisão, se considerados agravantes para os crimes.
O ex-presidente, que está em prisão domiciliar, nega todas as acusações. Ele afirma que, embora tenha tido conversas sobre a possível decretação de estado de sítio, jamais deu qualquer ordem nesse sentido. Alega também que estava nos Estados Unidos quando dos atos do 8 de janeiro.
SEGUNDO VOTO
Em seu voto para também condenar o ex-presidente, o ministro Dino, por sua vez, disse que Bolsonaro era a “figura dominante” na organização criminosa.
“Era quem, de fato, tinha o domínio de todos os eventos que estão narrados nos autos, e as ameaças… à instituição”, afirmou Dino, chamando o discurso do ex-presidente no ato de 7 de Setembro de 2021 de “coerção ilegítima”.
Em um indicativo de divergência com Moraes, que defende a condenação de todos os réus a penas elevadas, Dino afirmou que era preciso diferenciar a punição dos envolvidos de acordo com suas participações. Disse que Bolsonaro e Braga Netto justificariam penas elevadas, mas os ex-ministros Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno e o ex-chefe da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem tiveram envolvimento de menor relevância.
Dino aproveitou seu voto para rechaçar a possibilidade de anistia para quem tenha articulado um golpe de Estado, como desejam aliados de Bolsonaro, e fez um desagravo ao dizer que o tribunal não iria se intimidar com ameaças e sanções, numa referência indireta a punições como cancelamento de vistos de ministros e o aplicado a Moraes com base na Lei Magnitsky.
PRELIMINARES REJEITADAS, DELAÇÃO MANTIDA
Tanto Moraes quanto Dino votaram para rejeitar todas as questões preliminares apresentadas pelas defesas dos réus — pontos formais da ação penal que podem eventualmente levar à nulidade do processo.
Especificamente sobre a alegação das defesas de que a delação premiada de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, deveria ser anulada, Moraes foi enfático e afirmou que a argumentação dos advogados de que os depoimentos de Cid foram contraditórios “beira a litigância de má-fé”.
“Com todo o respeito, isso beira a litigância de má-fé dizer que os oito depoimentos foram oito depoimentos contraditórios”, disparou Moraes.
“São oito depoimentos que poderiam estar num único megadepoimento, mas são oito depoimentos sobre fatos diversos, não são contraditórios e não são oito delações”, ressaltou.
Moraes disse que eventuais “omissões dolosas” na delação de Cid podem levar a uma análise de diminuição ou até afastamento dos benefícios da colaboração.
Faltam ainda votar os ministros Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
Além do ex-presidente, são acusados o colaborador Mauro Cid, o ex-diretor-geral da Abin Alexandre Ramagem, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, o ex-chefe do GSI Augusto Heleno, o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira e o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil e ex-candidato a vice de Bolsonaro Walter Braga Netto, o único que responde ao processo preso preventivamente.
Bolsonaro está desde o início de agosto em prisão domiciliar após ter descumprido medidas cautelares impostas a ele por Moraes em outro inquérito, o que investiga ataque à soberania e atuação para interferir no processo por tentativa de golpe no Supremo por ele e o filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP).
Pouco antes do início do julgamento, Moraes autorizou a polícia a fazer um monitoramento externo na casa no condomínio onde o ex-presidente mora, inclusive com a permissão de revista do interior de carros de visitantes dele.
A medida ocorreu mediante o aumento das preocupações da PGR e da Polícia Federal com risco de fuga do ex-presidente.
(Reportagem adicional de Luciana Magalhães)