WASHINGTON/PARIS, 5 Fev (Reuters) – O plano do presidente Donald Trump para que os Estados Unidos controlem a Faixa de Gaza, devastada pela guerra, e criem uma “Riviera do Oriente Médio”, depois de reassentar os palestinos em outros lugares, abalou a política dos EUA sobre o conflito israelense-palestino e provocou críticas generalizadas.
A proposta de Trump, um ex-desenvolvedor imobiliário de Nova York, foi rapidamente condenada pelas potências internacionais, com a Arábia Saudita, um dos pesos pesados da região, que Trump espera que estabeleça laços com Israel, rejeitando o plano de imediato.
A Turquia classificou a medida como “inaceitável” e a França disse que havia o risco de desestabilizar o Oriente Médio.
Países como Rússia, China, Alemanha, Espanha, Irlanda e Reino Unido disseram que continuam a apoiar a solução de dois Estados que formou a base da política de Washington na região por décadas, segundo a qual Gaza seria parte de um futuro Estado palestino que inclui a Cisjordânia ocupada.
Trump, em seu primeiro grande anúncio de política para o Oriente Médio, disse que imaginava a construção de um resort onde as comunidades internacionais pudessem viver em harmonia após mais de 15 meses de bombardeios israelenses que devastaram o pequeno enclave costeiro e mataram mais de 47.000 pessoas, segundo os cálculos palestinos.
No ano passado, o genro e ex-assessor de Trump, Jared Kushner, descreveu Gaza como uma “valiosa” propriedade à beira-mar.
Ao dar as boas-vindas ao primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu na Casa Branca na terça-feira, Trump disse que apoiaria um esforço para reassentar permanentemente os palestinos de Gaza em lugares onde eles possam viver sem medo da violência, e ele e sua equipe estavam discutindo essa possibilidade com Jordânia, Egito e outros países da região.
Em uma entrevista coletiva, Trump disse que o rei Abdullah da Jordânia e o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi aceitariam a ideia apesar de suas rejeições, dizendo que eles “abrirão seus corações e nos darão o tipo de terra de que precisamos para que isso seja feito e as pessoas possam viver em harmonia e em paz”.
A proposta provocou uma série de reações diplomáticas no Oriente Médio e ao redor do mundo. A China disse que se opõe à transferência forçada de palestinos.
“A China sempre acreditou que os palestinos governando a Palestina é o princípio básico da governança pós-conflito”, disse o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China Lin Jian, acrescentando que Pequim apoia uma solução de dois Estados na região.
Algumas das críticas mais duras vieram da França, que afirmou que o deslocamento forçado dos habitantes de Gaza seria uma violação grave da lei internacional, um ataque às aspirações legítimas dos palestinos e desestabilizaria a região.
Uma autoridade do grupo militante palestino Hamas, que governava a Faixa de Gaza antes de lutar contra Israel em uma guerra brutal no local, disse que a declaração de Trump sobre a tomada do enclave é “ridícula e absurda”.
“Quaisquer ideias desse tipo são capazes de inflamar a região”, disse Sami Abu Zuhri à Reuters, afirmando que o Hamas continua comprometido com o acordo de cessar-fogo com Israel e “garantindo o sucesso da negociação na segunda fase”.
Não está claro se Trump levará adiante seu plano controverso ou se está simplesmente assumindo uma posição extrema como estratégia de barganha. Ele não forneceu detalhes específicos na coletiva de imprensa.
DESLOCAMENTO PERMANENTE
A Rússia acredita que um acordo no Oriente Médio só é possível com base em uma solução de dois Estados, disse o Kremlin nesta quarta-feira, enquanto o ministro das Relações Exteriores da Espanha, José Manuel Albares, declarou que “Gaza é a terra dos palestinos de Gaza e eles têm que permanecer em Gaza”.
Mais cedo na terça-feira, Trump pediu o reassentamento permanente de mais de dois milhões de palestinos em países vizinhos de Gaza, que a ONU estima que pode levar até 21 anos para ser reconstruída.
Uma avaliação de danos da ONU divulgada em janeiro estimou que restam mais de 50 milhões de toneladas de escombros em Gaza.
A proposta de Trump levanta questões sobre se a Arábia Saudita, potência do Oriente Médio, estaria disposta a participar de um novo impulso intermediado pelos EUA para uma normalização histórica das relações com Israel, aliado dos EUA.
A Arábia Saudita, também um importante aliado dos EUA, rejeita qualquer tentativa de deslocar os palestinos de suas terras, informou o Ministério das Relações Exteriores da Arábia Saudita em um comunicado na quarta-feira.
A Arábia Saudita disse que não estabeleceria laços com Israel sem a criação de um Estado palestino, contradizendo a afirmação de Trump de que Riad não estava exigindo uma pátria palestina.
O príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman afirmou a posição do reino de “maneira clara e explícita” que não permite nenhuma interpretação em nenhuma circunstância, segundo o comunicado.
Trump disse que planeja visitar Gaza, Israel e Arábia Saudita, mas não falou quando planeja ir.
Netanyahu não quis discutir a proposta, a não ser para elogiar Trump por tentar uma nova abordagem.
PALESTINOS TEMEM OUTRA ‘NAKBA’
O deslocamento é uma questão altamente sensível entre os palestinos e os países árabes.
Enquanto os combates se intensificavam na guerra de Gaza, os palestinos temiam sofrer outra “Nakba”, ou catástrofe, referindo-se à época em que centenas de milhares de pessoas foram despojadas de suas casas na guerra de 1948, no nascimento do Estado de Israel.
“Trump pode ir para o inferno, com suas ideias, com seu dinheiro e com suas crenças. Nós não vamos a lugar algum. Não somos alguns de seus bens”, disse à Reuters Samir Abu Basil, de 40 anos, pai de cinco filhos da Cidade de Gaza, por meio de um aplicativo de mensagem.
(Por Steve Holland, Matt Spetalnick, Jeff Mason e John Irish)