Por Ricardo Brito e Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – O governo sofreu uma dura derrota na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira com a aprovação de um requerimento que retirou de pauta a Medida Provisória 1303, que trata da taxação de aplicações financeiras, e na prática levou à perda de validade da principal proposta de ajuste das contas do Executivo para o próximo ano, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve tentar a reeleição.
O requerimento, apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (União-SP), foi aprovado por 251 votos a favor e 193 contra, contando com o apoio expressivo de partidos do centrão, como PP, União Brasil e PSD.
Na prática, o texto foi rejeitado sem sequer ter sido analisado seu mérito. A MP caducaria se não fosse aprovada pelos plenários da Câmara e do Senado até esta quarta-feira.
“Hoje ficou claro que a pequena parcela muito rica do país não admite que seus privilégios sejam tocados. Não querem pagar impostos como a maioria dos cidadãos”, criticou a ministra Gleisi Hoffmann, das Relações Institucionais, em sua rede social após a votação.
“E não querem que o governo tenha recursos para investir em políticas para a população. Quem votou na Câmara para derrubar a MP que taxava os super-ricos votou contra o país e o povo”, emendou.
Nos últimos dois dias, o governo e seus aliados no Congresso tentaram destravar a votação da MP. Com a articulação direta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, eles concordaram desidratar a proposta inicial do governo que previa um aumento de arrecadação de R$20,9 bilhões em 2026. Mas, mesmo alterando este impacto para R$17 milhões, não foi suficiente para reverter a derrota.
Governistas acusaram a oposição e o centrão de sabotagem e reclamaram de não terem cumprido os acordos por motivos político-eleitorais. Reclamaram nominalmente do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado como o principal nome da oposição na corrida ao Palácio do Planalto, e dos presidentes do PP, senador Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antônio Rueda, contra a aprovação da medida.
“Lamentamos profundamente que um governador do Estado mais forte do ponto de vista econômico e da população coloque sua importância, seu cargo, para preparar uma campanha eleitoral”, criticou o relator da MP, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), na tribuna da Câmara, pouco antes de a proposta ser rejeitada.
O líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), elogiou a atuação dos governadores como Tarcísio e de outros grupos para garantir a rejeição da MP.
Mais cedo, o governador, por meio de sua assessoria, negou estar articulando contra a MP, acrescentando que não estava sequer tratando do assunto, que é da esfera do Congresso.
Procurado, Ciro Nogueira não respondeu a pedidos de comentários, e a Reuters não conseguiu fazer contato com Rueda.
TENTATIVA
Lula, Haddad, e líderes partidários se reuniram nesta quarta-feira mais cedo para tentar uma saída para aprovar a matéria.
Fontes avaliaram à Reuters que a discussão da MP tinha sido contaminada pelo terreno político-eleitoral e tinha como pano de fundo provocar uma crise fiscal para o governo em 2026.
Na saída de um ato no Planalto, o presidente chegou a dizer que esperava que o Congresso desse uma “demonstração de maturidade”, ressaltando que era uma “bobagem colocar isso como questão eleitoral”.
“Se alguém quer misturar isso com eleição, eu sinceramente só posso dizer que é uma pobreza de espírito extraordinária”, reclamou à tarde.
Haddad também chegou a reforçar em entrevista que esperava que os acordos fossem cumpridos. “Se tivermos resultados adversos, volto para a mesa de Lula”, destacou ele.
Lideranças governistas também já haviam adiantado que, em caso de rejeição da proposta pelo Congresso, um duro contingenciamento de recursos seria necessário, incluindo até R$10 bilhões em emendas parlamentares.
Mesmo assim, bancadas na Câmara de partidos como PP e União Brasil fecharam questão contra a MP e deram em peso votos contrários à matéria.
O governo chegou, em vão, a exonerar três ministros que são deputados licenciados para voltarem para a Câmara para tentar reforçar a votação da MP: André Fufuca (PP), dos Esportes; Celso Sabino (União), do Turismo; e Silvio Costa Filho (Republicanos), dos Portos.
TIRO NO PÉ
Antes da votação, o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), disse que estavam articulando uma “sabotagem” contra o Brasil e que essa articulação era um “tiro no pé”.
“Eles estão fazendo isso para atrapalhar o Lula, antecipando o calendário eleitoral”, criticou o petista, ao chamar a iniciativa de uma pauta-bomba.
Na véspera, a votação da MP passou na comissão mista por um placar apertado, por 13 votos a favor e 12 contra, já em um indicativo das dificuldades para o governo.
O texto aprovado pela comissão havia retirado a previsão inicial de taxação de títulos hoje isentos, como LCI, LCA, CRI e CRA, e também a proposta de elevação da tributação de empresas de apostas online, as bets.