Por Lisandra Paraguassu
BRASÍLIA (Reuters) – O Ministério das Relações Exteriores acionou a Câmara de Comércio Exterior (Camex) no início da noite desta quinta-feira para analisar a aplicação pelo Brasil da Lei da Reciprocidade Econômica sobre os Estados Unidos, disseram à Reuters fontes do Itamaraty familiarizadas com o assunto e posteriormente a informação foi confirmada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin.
A notificação à Camex, feita depois de autorização do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dá início ao processo que pode levar à adoção de medidas de retaliação aos EUA, depois que o governo de Donald Trump impôs tarifas de 50% sobre produtos brasileiros exportados para o mercado norte-americano.
“Vai ser iniciado o processo”, disse Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, a jornalistas na Cidade do México na noite de quinta-feira. Alckmin está em visita ao país.
A partir de agora a Camex tem 30 dias para apresentar um relatório sobre se as tarifas aplicadas pelos EUA quebram as regras do comércio internacional e podem justificar a adoção de medidas de reciprocidade, de acordo com a lei aprovada pelo Congresso em abril deste ano.
O governo norte-americano, no entanto, será notificado da decisão na sexta-feira, “por cortesia”, e terá tempo para enviar uma resposta ao Brasil.
“O Congresso Nacional aprovou uma lei chamada Lei de Reciprocidade quase por unanimidade, que é um instrumento importante, necessário”, disse Alckmin aos jornalistas na capital mexicana.
Depois dos 30 dias, se aprovada a adoção de medidas contra os EUA, será formado um grupo de trabalho com vários setores do governo para decidir em que áreas o governo brasileiro deve agir. A lei aprovada pelo Congresso permite a retaliação em bens, serviços e propriedade intelectual.
De acordo com outras duas fontes do governo brasileiro, a tendência é que o Brasil se concentre nas duas últimas, suspendendo pagamento de royalties de propriedade intelectual e serviços como streamings e produtos culturais, já que medidas contra bens importados poderiam encarecer importações de empresas brasileiras. Quais os setores e medidas específicas devem ser uma decisão desse grupo de trabalho.
A decisão de iniciar o processo de reciprocidade leva a uma escalada das reações brasileiras na disputa econômica com os EUA e vem em resposta à dificuldade de encontrar qualquer abertura para negociação. Dentro do governo, a aposta na retaliação era sempre vista como última alternativa, caso as negociações falhassem.
O próprio presidente Lula vem reiterando que o governo brasileiro está aberto à negociação, mas repete que ninguém do lado norte-americano parece estar disposto a negociar. De fato, de acordo com fontes ouvidas pela Reuters, desde o início da adoção das tarifas, no começo deste mês, o governo brasileiro não conseguiu nenhuma brecha para conversas com os norte-americanos.
Na fala aos repórteres que acompanham sua viagem ao México, Alckmin disse esperar que o início do processo na Camex ajude na abertura de um canal de diálogo.
“O que eu espero é que isso ajude a acelerar o diálogo e a negociação”, afirmou.
A última reunião marcada, entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, há cerca de duas semanas, foi cancelada de última hora, por influência do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que tem trabalhado para evitar qualquer negociação entre o governo Trump e o governo brasileiro.
Um dos motivos dados para a aplicação do tarifaço de 50% foi o que Trump chamou de “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, réu em processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado.
Uma das fontes ouvidas pela Reuters lembra que o Brasil abriu um processo na Organização Mundial do Comércio (OMC), órgão internacional que deveria fazer a mediação desse tipo de disputa, e preferia levar as discussões para essa instância. No entanto, com a OMC funcionando precariamente, não há prazo ou expectativa de solução por lá.
(Reportagem de Lisandra Paraguassu)