Por Letícia Fucuchima
SÃO PAULO (Reuters) – O Ministério de Minas e Energia determinou à agência reguladora Aneel a abertura de processo disciplinar que pode levar à caducidade da concessão da distribuidora de energia Enel São Paulo, disse nesta segunda-feira o ministro Alexandre Silveira.
“O ministério está tomando medida extremamente radical, importante e educativa para outras distribuidoras de energia”, disse Silveira em entrevista à GloboNews.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia informou que o ministro assinou nesta segunda-feira ofício em reunião com a Aneel solicitando providências sobre o “histórico de falhas e transgressões da Enel em São Paulo”.
A ação do governo federal, que é o poder concedente das concessões de distribuição de energia elétrica, vem após a Enel mostrar uma série de problemas na prestação dos serviços na região metropolitana de São Paulo nos últimos meses.
Em novembro do ano passado, um apagão de grandes proporções após uma tempestade deixou milhões de consumidores sem luz, com os trabalhos de recomposição demorando quase uma semana. Já no mês passado, problemas na rede elétrica subterrânea fizeram com que bairros do centro de São Paulo ficassem sem energia ou com fornecimento intermitente durante vários dias.
“Foram mais de 300 milhões (de reais) em multas aplicadas à Enel, nenhuma delas pagas, a Enel tem reiteradamente prestado serviço de qualidade muito aquém do que aquilo que determina a regulação”, afirmou Silveira, avaliando que a empresa terá “poucas condições” de defesa no processo de caducidade, uma vez que já foram dadas oportunidades de melhora dos serviços.
Segundo o ministro, a Aneel tem 20 dias para responder ao governo sobre o processo de caducidade da concessão da Enel São Paulo.
Silveira disse ainda que, em eventual cenário de perda do contrato da distribuidora, o governo poderá avaliar uma relicitação da concessão ou “até reestatização”.
Em resposta às declarações do ministro, a Enel afirmou que está cumprindo integralmente todas suas obrigações contratuais e regulatórias e que está implementando um plano de investimentos de 18 bilhões de reais entre 2024 e 2026, focado na distribuição de energia, o que “demonstra o compromisso do grupo com o Brasil”.
Em nota à imprensa, a companhia italiana afirmou que desde 2018, quando assumiu a concessão em São Paulo, já investiu 8,36 bilhões de reais nessa operação, com média de cerca de 1,4 bilhão de reais por ano, “quase o dobro da média anual de 800 milhões de reais realizada pelo controlador anterior”.
Entre as ações citadas pela empresa, estão aportes para modernização da estrutura da rede, digitalização do sistema e na ampliação dos canais de comunicação com os clientes, mobilização antecipada de equipes em campo em caso de contingências e aumento significativo do quadro de pessoal próprio.
A Enel disse que seus indicadores de qualidade dos serviço DEC (duração de interrupções de energia) e FEC (frequência de interrupções) melhoraram quase 50% desde 2017, e estão melhores que as metas estabelecidas pela Aneel.
“A companhia informa ainda que já pagou parte das multas aplicadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e outras encontram-se em fase de recurso.”
Já a Aneel não retornou a pedido de comentário.
ALTERNATIVAS DE PENALIDADE ÀS DISTRIBUIDORAS
Com uma base de mais de 15 milhões de consumidores, a italiana Enel opera três concessões de distribuição de energia no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará, e precisará renovar seus contratos junto ao governo nos próximos anos para continuar operando nessas áreas no longo prazo.
A Enel está sob forte pressão de autoridades desde o ano passado, com o governo federal tendo subido o tom contra a empresa após o último grande evento de falta de energia em São Paulo. No mês passado, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União pediu que o órgão apure ineficiência da concessionária, com eventual “extinção da concessão”.
Há alguns critérios pré-determinados que podem ensejar um processo de caducidade de concessão de distribuição de energia, ligados à sustentabilidade econômico-financeira e qualidade dos serviços prestados, mas o regramento não é totalmente específico, aponta Frederico Accon, head de energia do escritório Stocche Forbes Advogados.
“Tem o descumprimento de indicadores de qualidade por três anos seguidos, por exemplo… Isso é o que temos de objetivo, mas sem prejuízo, se a Aneel fiscalizar e entender que houve algum outro tipo de infração que pode ensejar penalidade de caducidade, ela pode iniciar um processo administrativo”, disse Accon, lembrando que a empresa tem direito a ampla defesa.
A caducidade do contrato é considerada uma medida extrema, e nunca ocorreu no Brasil em distribuição de energia elétrica. Em geral, distribuidoras com dificuldades financeiras ou operacionais vendem suas operações antes de a Aneel iniciar um processo do tipo.
O caso que mais se aproxima da caducidade é o da Amazonas Energia: a medida já foi recomendada pela Aneel ao governo, que embora ainda não tenha decretado, vem estudando a troca do concessionário no Amazonas e mudanças legislativas no contrato para viabilizar a concessão no longo prazo.
Além do término definitivo do contrato, o governo tem outras opções de penalidades para a Enel São Paulo, como aplicação de multas e até mesmo uma intervenção, processo que ocorreu com o Grupo Rede há cerca de 10 anos.
Na intervenção, a gestão atual da distribuidora é afastada temporariamente e a Aneel nomeia interventores para manter as operações. É um processo provisório, com a concessionária podendo reassumir o comando da distribuidora caso apresente um plano de melhoria, explica o advogado do Stocche Forbes.
RENOVAÇÃO CONTRATUAL
A pressão sobre a Enel, com possibilidade de perda do contrato, tem repercutido no setor de distribuição de energia, que negocia com o governo novas bases para renovar cerca de 20 contratos a partir de 2025.
No mês passado, o CEO da CPFL Energia defendeu a estabilidade regulatória do setor, avaliando que, pelas regras atuais, não há razão para que nenhuma distribuidora de energia perca a concessão.
“Podemos discutir quais seriam as novas regras, quais são as novas demandas que a regulação pode trazer, e aí a gente joga o jogo novo. Mas o jogo, da forma que está posto hoje, não há nenhuma razão para algum player perder concessão”, disse o CEO da CPFL, Gustavo Estrella, ao comentar a situação da Enel.
“Se você for olhar nas informações públicas da Aneel, nos últimos quatro ou cinco anos, a Enel São Paulo vem cumprindo com os indicadores (de qualidade) DEC e FEC”, disse o advogado do Stocche Forbes.
“O que alerta o setor é: você pode discutir se os indicadores são adequados, se estão de fato capturando o que o poder concedente espera de qualidade, mas o que temos de regra clara posta hoje a Enel São Paulo vem cumprido”, acrescentou.
Segundo Silveira, o processo de renovação dos contratos de 20 distribuidoras de energia, envolvendo grandes grupos do setor elétrico, vai “corrigir” contratos que ele considera como “frouxos”. Haverá regras mais rígidas para garantir a qualidade da prestação dos serviços à população, disse.
“Estamos fazendo um decreto (de renovação) muito minucioso… Inclusive um ponto que estou colocando é de que os prefeitos municipais devem ter linha direta com as distribuidoras”, afirmou.