Com o falecimento do Papa Francisco e a ascensão de Leão XIV ao papado, eleito no início de maio, o mundo voltou sua atenção ao Vaticano e ao processo de eleição de seu novo regente, conhecido como conclave.
Assim como as demais instituições humanas, a Igreja Católica não escapa a um ordenamento organizacional próprio e, por conseguinte, jurídico, e é daí que surge o Direito Canônico, cujas fontes são:
- A Sagrada Escritura (Bíblia);
- A tradição;
- O Magistério Pontifício (todo e qualquer ensinamento da Igreja);
- Os concílios (assembleias do alto clero); e
- As leis universais e particulares (válidas para toda a Igreja ou para determinados grupos e regiões).
Dentre as leis universais, destaca-se o Código de Direito Canônico (em latim: Codex Iuris Canonici – CIC), destinado exclusivamente à Igreja Católica Apostólica Romana. Ou seja, a Igreja Católica Ortodoxa, proeminente em países como a Grécia, a Romênia e a Rússia, possui outro regimento jurídico.
O atual CIC, promulgado em 1983 pelo Papa João Paulo II, é resultado de décadas de esforço do alto clero para consolidar as normas jurídicas em um único normativo. Antes disso, Bento XV, em 1917, já havia codificado as regras da Igreja, porém, após o Concílio Vaticano II (1962-1965), responsável por “modernizar” o catolicismo ainda no século XX mediante a suspensão de algumas práticas, como por exemplo:
- Missas em latim;
- Celebrante de costas para os fiéis durante as missas;
- Ideia de que somente a Igreja Católica é capaz de promover a salvação em Jesus Cristo.
Além disso, a assembleia introduziu a Igreja como “povo de Deus”, abandonando o conceito de “sociedade perfeita” e firmando contato com o mundo moderno, as ciências e as religiões não cristãs. Entretanto, conforme Frei Betto explicou, ainda no ano de 2013, em matéria do Portal do Santuário Nacional de Aparecida [1], os pontificados de João Paulo II e Bento XVI foram mais conservadores.
Ainda assim, a letra da lei precisava de atualizações, enfim consolidadas nos anos 1980.
Como o Código de Direito Canônico é organizado?
Muito parecida com a estrutura das leis comuns, o CIC divide-se em livros, títulos e capítulos. Os capítulos, por sua vez, não possuem artigos, mas sim cânones, separados em caput e parágrafos. No total, são 1752 cânones que se destinam tanto a fiéis leigos como ao alto clero, dispondo sobre a administração dos bens da Igreja e os procedimentos disciplinares.
O CIC é dividido em sete livros:
- Das normas gerais – Introduz os princípios jurídicos do Direito Canônico e as regras fundamentais aplicáveis a leis, pessoas e atos jurídicos.
Os princípios canônicos são os seguintes:
- Primazia da Igreja Católica;
- Finalidade espiritual;
- Subordinação do processo;
- Natureza institucional;
- Princípio do contraditório;
- Princípio da autoridade;
- Colegialidade;
- Inquisitório e dispositivo;
- Princípio da unidade;
- Princípio da justiça; e
- Princípio da misericórdia.
Como se vê, há vários princípios compartilhados com o Direito comum.
- Do povo de Deus – Regulamenta a estrutura hierárquica da Igreja.
- Da missão de ensinar da Igreja – Dispõe sobre os magistérios, a catequese, a educação católica e a comunicação social.
- Da missão de santificar da Igreja – Estabelece normas sobre sacramentos, liturgias e tempos sagrados (períodos especiais para a tradição católica, como a quaresma).
- Dos bens temporais da Igreja – Trata da administração de bens materiais, doações, contratos e dízimos.
- Das sanções da Igreja – Tipifica os delitos canônicos e fixa suas respectivas penas.
- Dos processos – Estrutura os processos judiciais e administrativos.
Conclave
O conclave, por sua vez, não é regulamentado pelo CIC, mas sim pelo Universi Dominici Gregis, promulgado em 1996 por João Paulo II. Além de instituir regras para a eleição de um novo papa, o normativo também estabelece ordens para o período de vacância do posto, tendo em vista que o líder da Igreja também é chefe de Estado do Vaticano.
Antes da fumaça branca sair pela chaminé da Capela Sistina, os cardeais eleitores passam por uma pré-seleção, na qual são eliminados aqueles que já atingiram os 80 anos, a fim de garantir maiores celeridade e vitalidade ao processo. O conclave mais longo da história durou três anos (1268-1271), e o mais curto (1503) foi encerrado em dez horas.
Os requisitos para a eleição de um novo papa são:
- Ao menos dois terços dos votos;
- A aceitação do cargo; e
- A escolha do nome papal.
Outro aspecto de grande relevância para a eleição, como ocorre na esfera política, é o seu sigilo. Conclave, em sua etimologia, já adianta: do latim cum clave, “com chave”, a expressão era utilizada para descrever um espaço fechado em que não era permitida a entrada nem a saída. Isso quer dizer que, ao longo do processo eleitoral, os cardeais são submetidos ao completo isolamento do mundo exterior. Os clérigos vêm de todas as partes do mundo e ficam acomodados na Casa Santa Marta (palácio de hospedagem para membros da Igreja), onde são proibidos celulares e demais eletrônicos.
Quando enfim são completos os requisitos para a escolha de um novo papa, o cardeal protodiácono (aquele que for mais velho dentre a ordem dos Cardeais-Diáconos) vem à varanda da Basílica de São Pedro e anuncia “Habemus Papam”, informando ao mundo o nome do novo líder da Igreja.
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Gostou desse tema? Confira o filme Conclave (2024), dirigido pelo alemão Edward Berger, conhecido pela refilmagem de Nada de novo no front (2022). O longa é estrelado por Isabella Rossellini (Irmã Agnes), Stanley Tucci (Cardeal Bellini) e Ralph Fiennes (Cardeal Lawrence), conhecido por interpretar Lorde Voldemort na franquia de Harry Potter.