Em julgamento recente, o Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria para declarar a inconstitucionalidade do art. 19 do Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014), ampliando a possibilidade de responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilícitos publicados por seus usuários. A discussão reforça a necessidade de um olhar mais atento à atuação das redes sociais no ambiente digital contemporâneo.
No cenário atual, marcado por transformações tecnológicas, intensa circulação de informações e novos hábitos de consumo digital, o debate sobre a regulamentação das redes sociais se mostra cada vez mais relevante, especialmente quando se trata de proteger valores como a integridade informacional, o acesso responsável à informação e os direitos fundamentais dos usuários.
O que já está regulamentado:
Antes de abordar os pontos ainda carecem de regulamentação, é importante compreender as principais normas que já se aplicam às redes sociais, como o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014). Embora seja uma norma geral voltada ao uso da internet como um todo, muitos de seus dispositivos se aplicam também as redes sociais, especialmente enquanto plataformas de aplicação.
- Responsabilidade por conteúdo de terceiros: O art. 19 do Marco Civil estabelecia que as plataformas só poderiam ser responsabilizadas civilmente por conteúdos de terceiros caso não os removessem após ordem judicial. A recente interpretação do STF, no entanto, abre exceções para casos considerados manifestamente ilícitos, ampliando o dever de atuação preventiva por parte dessas plataformas.
- Liberdade de expressão: A liberdade de expressão é um dos fundamentos mais primordiais do Marco Civil da Internet, presente em várias normas desta lei, como nos arts. 2º, caput, 3º, inciso I, e 8º, caput. O art. 3º, inciso I, estabelece a necessidade de respeito à “liberdade de expressão, comunicação e manifestação do pensamento, nos termos da Constituição”. Portanto, já se regulamentaram questões envolvendo a livre manifestação.
- Proteção de dados pessoais, transparência e informações claras: Outro ponto também disciplinado é o tratamento dos dados pessoais dos usuários. O Marco Civil da Internet, nos arts. 3º, incisos II e III, e 7º, inciso VIII e outros, assegura a proteção da privacidade e a defesa dos dados pessoais, além de garantir o fornecimento de “informações claras e completas sobre a coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção dos dados pessoais”, que somente poderão ser utilizados para as finalidades especificadas em lei. Com o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018), essa proteção foi ampliada, sendo delimitadas regras claras sobre coleta, uso, armazenamento e compartilhamento de dados no ambiente digital.
Pontos que ainda não possuem regulamentação específica:
Muito embora tenha havido avanços normativos significativos nos últimos anos, tais como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, questões envolvendo especificamente as redes sociais ainda carecem de regulamentação. Com a popularização das mídias sociais, que passaram a integrar a vida cotidiana do brasileiro, surgiram desafios muito sérios e graves, sendo necessária a regulamentação desses temas:
- Desinformação e conteúdo falso: Se você acessa frequentemente as redes sociais, já deve ter visto alguma informação falsa sendo difundida. Apesar de as próprias plataformas adotarem mecanismos internos para reduzir a propagação dessas desinformações, ainda não há uma legislação específica que trate do tema, gerando um sério problema nacional. Buscando preencher essa lacuna legal, surgiu o Projeto de Lei das Fake News (PL 2.630/2020), mas sua tramitação ainda está em curso no Congresso Nacional.
- Algoritmos e personalização de conteúdo: Ao abrir as redes sociais, o usuário recebe diversos conteúdos personalizados. No entanto, muitas vezes, a maneira como essas plataformas escolhem o que mostrar não é totalmente transparente. Essa customização pode, em algumas situações, desincentivar a busca por opiniões diferentes ou contrárias às ideias do usuário, tendo em vista que o algoritmo busca entregar conteúdos bastante similares aos seus pensamentos habituais, criando “bolhas”, o que pode resultar em problemas sociais. Por isso, é fundamental que haja uma regulamentação adequada dessa temática.
- Moderação de conteúdo: Diante da ausência de legislação específica, as mídias digitais têm adotado diretrizes próprias para remover conteúdos prejudiciais, ilícitos ou ilegais. Nesse processo, é bastante usual a utilização de moderadores, profissionais responsáveis remover conteúdos que ferem as diretrizes da plataforma.
- Inteligência Artificial: Por fim, outro tópico bastante relevante é a inteligência artificial (IA).O uso crescente da IA na criação de conteúdos — como vídeos, imagens e áudios — tem levantado importantes discussões sobre direitos autorais e autenticidade, já que nem sempre os usuários conseguem identificar se determinado material é verídico ou gerado por IA. Nesse contexto, embora o Projeto de Lei nº 2.338/2023, conhecido como Marco Legal da Inteligência Artificial, esteja em tramitação, ainda não há regulamentação específica sobre o tema.
Saiba mais em:
Enquanto novas normas sobre regulamentação da Inteligência Artificial e Fake News ainda estão em discussão no Poder Legislativo, é essencial aprender mais sobre a legislação em vigor sobre o tema:
“Dez Anos do Marco Civil da Internet, 1ª ed.”, coordenada por Ana Frazão, Caitlin Mulholland, Fabrício Bertini: A obra trata sobre como as modificações legais impactaram os usuários e o papel das normas na regulação da internet. O livro examina o avanço das regulamentações e os desafios enfrentados pelos tribunais brasileiros para interpretar as normas conforme a Constituição Federal. Também discute a necessidade de eventuais reformas e adaptações nas legislações atuais para enfrentar os novos conflitos e dificuldades.