O mundo digital está cada dia mais presente na vida humana e as relações inerentes a vida – quer sejam sociais, de trabalho, ou mesmo no direito das coisas – têm tido conceitos e paradigmas quebrados, pensados e redesenhados, tanto nas relações de conduta como nas geradoras de direitos. O que era distante e utópico se tornou real e presente.
Do rumor do surgimento do metaverso e sua rápida transformação em realidade na relação entre indivíduos e as coisas, trouxe aos juristas a extrema urgência na sua regulamentação, pois dúvidas e demandas começaram a surgir quanto aos direitos gerados pelo seu valor em um ambiente virtual e não regulamentado.
Trata-se de um espaço coletivo onde a imersão no mundo digital – com o uso de óculos de realidade aumentada e realidade virtual – é real e as manifestações e propriedade geram ativos de valor financeiro, deveres, obrigações e propriedade.
Muito se fala e especula sobre os terrenos do metaverso, que são os espaços virtuais existentes nas plataformas como Decentraland e Sandbox e que disponibilizam esses lotes para venda. Esses terrenos são negociados como um token não-fungível (NFT) por meio de criptomoedas.
Os NFT’s representam itens únicos e exclusivos, como se fossem a escritura deste lote, não sendo necessário ir a um cartório para registrar pois ela fica registrada em uma blockchain (grande banco de dados descentralizado e imutável). Aliás, se fores a um cartório de registro de imóveis para registrar, certamente não será atendido!
Portanto se a discussão dessas relações com imóveis virtuais se aproximarem do mundo jurídico, não encontrará guarida na legislação vigente e evidente será perceber que o direito imobiliário ainda não se adaptou à essa realidade. Questões acerca de penhora, hipoteca, regulamentação cartorária, fraudes, posse, propriedade, segurança e validade jurídica não estão pacíficas e ainda são pouco discutidas. Tampouco tributação imobiliária atinge essa nova modalidade de propriedade.
Essa relação de propriedade deve ser analisada com atenção. O direito não foi pensado para a regulação destes ativos em ambientes virtuais, mesmo porque por questão temporal as legislações e o direito não previam a existência deste novo ambiente.
No direito imobiliário atual, para existência de um negócio jurídico, é necessário haver validade jurídica, conforme artigo 104 do Código Civil. O inciso II do mesmo artigo rege que o objeto do negócio jurídico deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Portanto, questiona-se: um terreno no metaverso preenche os requisitos de validade que um negócio jurídico requer? Um terreno é determinado ou determinável?
Se preenchidos os requisitos, há um exercício pleno da propriedade deste bem, que poderá ser exercido em sua integralidade, protegido e até mesmo reivindicado em juízo? Existem mecanismos para efetivar essa tutela? Possivelmente poderíamos chamar esse bem de propriedade? Caso este ativo digital seja classificado como bem ao invés de propriedade, quais seriam as consequências em sua tutela jurídica?
São diversos os questionamentos que decorrem desta questão e nos parece evidente que a percepção de propriedade precisa migrar para o metaverso, flexibilizando a interpretação semântica dos conceitos petrificados pela doutrina jurídica. Resta compreender se a legislação conhecida deve se adaptar e abranger o ambiente do metaverso e suas repercussões ou se um novo ramo do direito deverá tratar desse novo ambiente. Tempos modernos exigirão compreensões modernas e consequentemente leis atualizadas capazes de acompanhar a evolução tecnológica.
Poliana Dequêch
Advogada. Mestranda em Filosofia e pós-graduanda em ética pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Pesquisadora da Associação Lawgorithm de Pesquisa em Direito e Inteligência Artificial da Universidade de São Paulo (USP).