O Projeto de Lei (PL) nº 4/2025 busca promover uma profunda modificação no Código Civil brasileiro. A proposta de atualização do Código Civil de 2002 surge como resposta às transformações sociais, econômicas e tecnológicas das últimas décadas.
O PL, apresentado no Senado Federal e atualmente em fase inicial de tramitação, é fruto do trabalho de uma comissão de juristas e propõe a revisão de quase 900 artigos do código vigente, além da inclusão de mais de 300 novos dispositivos.
Seu objetivo é bastante claro: alinhar a legislação à realidade constitucional e às demandas práticas do país, corrigindo falhas, incorporando avanços doutrinários e jurisprudenciais, e tornando o Direito Civil mais próximo do cotidiano das pessoas.
Para entender o impacto do novo código, vale destacar cinco mudanças centrais e o que elas representarão na prática:
Direito Civil Digital:
- Mudança: Criação de um Livro específico sobre Direito Civil Digital, regulando identidade digital, patrimônio digital, contratos eletrônicos, inteligência artificial e proteção de dados.
- Objetivo: Adaptar o Código Civil à realidade tecnológica, protegendo direitos e regulando relações jurídicas no ambiente digital, incluindo sucessão de bens digitais e contratos eletrônicos.
- Impactos no cotidiano: Mais segurança jurídica para transações digitais e contratos eletrônicos; Proteção de dados pessoais e do patrimônio digital; Regras claras para herança digital e uso de IA; Proteção reforçada para crianças e adolescentes no ambiente digital.
- Lei modificada: Inclusão do Livro VI – Do Direito Civil Digital, especialmente os arts. 2.027-A a 2.027-CG
Família e Sucessões – Divórcio Impositivo:
- Mudança: Criação do divórcio unilateral, permitindo que qualquer cônjuge ou convivente requeira o divórcio diretamente no cartório, sem necessidade de consenso.
- Objetivo: Desburocratizar e agilizar o processo de dissolução do casamento e da união estável, garantindo autonomia e liberdade individual.
- Impactos no cotidiano: Redução do tempo e dos custos para dissolução de vínculos conjugais; Maior autonomia para as partes, sem necessidade de justificar o fim do casamento; Menos litígios e judicialização de questões familiares
- Lei modificada: Art. 1.582-A (divórcio unilateral/extrajudicial); revogação dos arts. 1.572 a 1.576 (separação judicial).
Família e Sucessões – Equiparação Sucessória entre Cônjuges e Companheiros
- Mudança: Equiparação total dos direitos sucessórios de cônjuges e companheiros (união estável), com alterações na ordem de vocação hereditária e exclusão do cônjuge/companheiro como herdeiro necessário.
- Objetivo: Corrigir desigualdades históricas, garantir isonomia entre casamento e união estável, e adequar o Código Civil à jurisprudência do STF.
- Impactos no cotidiano: Fim da distinção entre cônjuge e companheiro na sucessão; Mais segurança jurídica para famílias recompostas e uniões estáveis; Redução de litígios sobre direitos hereditários.
- Lei modificada: Art. 1.829 (ordem de vocação hereditária); art. 1.845 (herdeiros necessários)
| Atual Redação | Proposta |
| Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais. |
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I – aos descendentes; II – aos ascendentes; III – ao cônjuge ou ao convivente sobrevivente; IV – aos colaterais até o quarto grau |
| Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. | Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes e os ascendentes. |
Responsabilidade Civil
- Mudança: Reformulação do sistema de responsabilidade civil, com ampliação da reparação de danos extrapatrimoniais, inclusão de funções preventiva e pedagógica, e critérios objetivos para danos digitais e coletivos.
- Objetivo: Modernizar a responsabilidade civil, adequando-a à sociedade contemporânea, à proteção de direitos fundamentais e à multiplicidade de danos, inclusive no ambiente digital.
- Impactos no cotidiano: Maior proteção a vítimas de danos morais, coletivos e digitais; Critérios mais claros para indenização e prevenção de danos; Incentivo à governança e accountability em empresas e plataformas digitais;
- Lei modificada: Arts. 927 a 954 (Título IX – Da Responsabilidade Civil), com destaque para os novos arts. 927-A, 944-A e 944-B
Direito Empresarial – Reforma do Direito das Empresas e Sociedades
- Mudança: Atualização do conceito de empresa, inclusão de princípios do direito empresarial, simplificação de procedimentos societários, regras para apuração de haveres e adaptação das sociedades limitadas e anônimas.
- Objetivo: Desburocratizar, fortalecer e facilitar o ambiente de negócios, aumentar a segurança jurídica e atrair investimentos.
- Impactos no cotidiano: Redução de custos e tempo para abertura, alteração e dissolução de empresas; Mais previsibilidade e segurança para sócios e investidores; Estímulo ao empreendedorismo e à livre iniciativa.
- Lei modificada: Art. 966 (conceito de empresa e princípios); 1.052-A (sociedade limitada); 1.088 (sociedade anônima); 1031 (apuração de haveres).
| Atual Redação | Proposta |
| Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. |
Art. 966. Considera-se empresa a organização profissional de fatores de produção que, no ambiente de mercado, exerce atividade de circulação de riquezas, com escopo de lucro, em prestígio aos valores sociais do trabalho e do capital humano.
§ 1º Exercem atividade empresarial o empresário e a sociedade empresária. § 2º Não se considera atividade empresarial o exercício de profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda que com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se requerida a sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, ressalvadas as obrigações assumidas perante terceiros antes de registrada a empresa.” |
Apesar dos avanços, o novo código enfrenta críticas quanto à amplitude das mudanças, ao risco de insegurança jurídica e à necessidade de um debate democrático mais amplo. O futuro do Código Civil ainda está em construção, e a elaboração de um texto mais benéfico para toda a comunidade depende fortemente da participação democrática, tanto da população quanto dos juristas.
Gostou do conteúdo? Leia a obra “Código Civil Confrontado com o PL 04/25 – Reforma do Código Civil”, de Maurício Bunazar, José Fernando Simão.




